O folclore japonês Urashima Tarō (浦島太郎) está presente nas principais representações artísticas japonesa. Sua origem é antiquíssima, acredita-se que a história original é baseada em uma lenda chamada Urashimako.
A hipótese encontra amparo no Nihon Shoki (“日本書紀”, Crônicas do Japão, livro de histórias e mitos japoneses compilado no ano 720), Man’yōshū (“万葉集”, Coleção das Dez Mil Folhas.
A mais antiga compilação de poemas waka feita por volta do ano 759) e Tango no Kuni Fudoki (compilado de relatórios sobre a cultura da província de Tango, atual região norte de Kyoto, geografia e tradição oral concluído no ano 713).

Há diversas obras de arte relacionadas a lenda de Urashima Tarō entre pinturas tradicionais, ukiyo-e, em peças de teatro, literatura, poesia e animações. A primeira animação deste folclore data de 1918, um curta metragem de 2 minutos.
A lenda do jovem pescador Urashima Taro
Confira na íntegra a lenda de Urashima Tarō: A Lenda do Jovem Pescador traduzido do japonês para o inglês por Theodora Ozaki, e do inglês para o português pelo portal Japão real. Não deixe de conferir outras lendas e artigos relacionados.

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Urashima Tarō
Há muito, muito tempo atrás, em uma pequena vila de pescadores Mizu-no-ye, localizada na costa da província de Tango vivia um jovem pescador chamado Urashima Tarō.
Jovem pescador habilidoso
Seu pai também era pescador, mas as habilidades que seu filho herdou eram o dobro da sua, Urashima era, na verdade, o melhor pescador de todo o país, pescava sozinho em um dia de trabalho mais atum-bonito e goraz do que seus colegas em uma semana.
Tinha bondade em seu coração
Mais do que um exímio pescador de água salgada, Urashima era reconhecido em seu pequeno vilarejo pela bondade de seu coração. Nunca fez mal a nada nem ninguém em toda sua vida, grande ou pequeno.
Quando pequeno, seus colegas sempre caçoavam dele por nunca se juntar a eles em suas “brincadeiras” de maltratar animais, em vez disso, tentava persuadi-los a abandonar esse cruel esporte.

Em um particular pôr do Sol de um aprazível dia de verão viu um grupo de crianças enquanto voltava para casa depois de um dia de pescaria. As crianças gritavam e falavam com a voz o mais alto que podia, estavam extremamente excitados por alguma coisa.
Urashima foi verificar o que estava acontecendo e se deu conta de que aquelas crianças estavam atormentando uma tartaruga. Uma criança a puxava para um lado, outra empurrava para outro, um terceiro batia na tartaruga com um bastão de madeira, e um quarto batia e marretava sua casca com uma pedra. Urashima se condoeu com a pobre tartaruga, criou um plano de resgate e disse aos garotos:
– Hey, garotos, vocês estão tratando tão mal essa pobre tartaruga que ela acabará morrendo!
Os garotos, todos na idade em que as crianças parecem se deleitar maltratando animais ignoraram as palavras de repúdio de Urashima, continuaram agredindo a tartaruga como antes. Então, um dos garotos mais velhos o respondeu:

– Quem se importa com quem vive ou quem morre? Nós que não somos! Continuem rapazes, continuem!
Com isso, o grupo intensificou sua crueldade contra a pobre tartaruga. Urashima precisou de um momento para bolar um plano para lidar com aqueles jovens. Resolveu tentar persuadi-los a entregar a tartaruga, então sorriu para eles e disse:
– Tenho certeza que vocês são bons e gentis! Vocês não querem me dar esta tartaruga? Gostaria muito de tê-la para mim!
– Não, nós não te daremos a tartaruga! – disse um dos garotos. Por que deveríamos? Fomos nós mesmos que a pegamos!
– É verdade, mas não estou pedindo que vocês me deem de graça, darei algum dinheiro em troca. Em outras palavras, o ojisan comprará de vocês. O que acham, rapazes? – respondeu Urashima segurando uma linha de barbante com moedas amarrada no buraco delas.
– Vamos lá, garotos. – prosseguiu Urashima. Vocês podem comprar qualquer coisa que vocês quiserem com esse dinheiro. Vocês podem fazer muito mais coisas com esse dinheiro do que com essa pobre tartaruga. Vocês são bons meninos, a prova disso é que pararam para me ouvir.
De fato, aquelas não eram crianças malvadas, eram travessas. Urashima conquistou essas crianças com seu sorriso gentil e palavras doces do seu mais profundo ser.
Foram na direção do jovem pescador gradativamente, por fim, veio o líder do pequeno bando trazendo a tartaruga até Urashima.
– Combinado, ojisan. Te entregaremos a tartaruga se você nos der o dinheiro.
Urashima pegou a tartaruga e entregou o dinheiro aos garotos que tão logo pegaram o dinheiro, gritaram uns aos outros e correram o mais rápido que podiam até desaparecer da vista do jovem pescador. Urashima acariciou a tartaruga e disse:
– Oh, pobre criatura. Coitada! Pronto, pronto, você está segura agora. Dizem que cegonhas vivem por mil anos, mas as tartarugas vivem dez mil anos. Entre todas as criaturas deste mundo, você é a que possui a maior longevidade. Sua preciosa e longa vida esteve em risco de ser encurtada pela crueldade daqueles garotos. Por sorte estava de passagem e te salvei, e você segue com sua vida. Vou colocá-la de volta ao seu lar, o mar, agora. Não seja pega novamente, pois na próxima vez, talvez não haja ninguém para te salvar.

Enquanto falava, o amável pescador caminhava rapidamente pela costa com a tartaruga na mão, e depois de passar das rochas, colocou a tartaruga na água, viu ela desaparecer no mar, se virou e voltou para casa. Estava cansado e a noite já tinha caído.

No dia seguinte, Urashima se preparou para sair em seu barco como de costume. O clima estava ótimo, céu e mar azul envolto em uma tenra e névoa de uma suave manhã de verão.
Subiu no barco, remou em direção ao mar e jogou sua linha ao mesmo tempo. Foi passando pelo barco de seus colegas pescadores deixando-os para trás até perdê-los de vista, seu barco foi adentrando e adentrando nas águas azuis do mar.
Urashima pensou como seria bom viver muito
Embora não soubesse exatamente o motivo, Urashima se sentia particularmente feliz naquela manhã e não pode deixar de pensar que, assim como aquela tartaruga que ele libertou no dia anterior, gostaria também de viver milhares de anos em vez de sua curta de existência com ser humano. Urashima então saiu de seus devaneios quando ouviu seu nome sendo chamado:
– Urashima, Urashima!
Ouvia seu nome ressoar flutuando como vento sobre o oceano tão claro quanto um sino e tão suave quanto o verão.
Levantou-se e olhou para todas as direções, imaginava que os outros barcos tinham passado por ele, mas para onde quer que olhasse na imensidão do mar, não havia nenhum sinal de barco perto ou longe dele, portanto, aquela voz não poderia ter vindo de um ser humano.
Assustado e se perguntando quem ou o que o chamava tão claramente, olhou para todas as direções em seu redor se se dar conta de que uma tartaruga apareceu ao lado do barco. Surpreso, Urashima viu a mesma tartaruga que tinha salvo no dia anterior.
– E então, Mr. Tartaruga, foi você quem acabou de me chamar agora? – disse Urashima.

A tartaruga acenou diversas vezes com a cabeça e então disse:
– Foi sim. Ontem, sob e graças sua honorável sombra minha vida foi salva, okagesama de! Venho até você para lhe agradecer e dizer o quão grato estou por sua gentileza para comigo.
– De fato,– a respondeu Urashima – é muito polido de sua parte. Venha, suba no barco. Te ofereceria um pouco de tabaco, mas, como você é uma tartaruga, provavelmente não deve fumar! – o pescador riu de sua própria piada.
– He-he-he-he! – riu também a tartaruga. Sake é o meu refresco favorito, mas não tenho apreço pelo tabaco.
– Compreendo, – disse Urashima – peço que me desculpe, mas não tenho sake para te oferecer aqui em meu barco, mas venha mesmo assim, seque sua costa no Sol, as tartarugas costumam adoram.
A tartaruga então subiu no barco com a ajuda do jovem pescador. Trocaram palavras de gentileza e cortesias, então a tartaruga perguntou:
– Você já viu o Rin Gin [Ryūgū-jō], o Palácio do Ryū-ō (Rei Dragão) do Mar, Urashima?
Urashima ficou chocado e negou com a cabeça e respondeu:
– Não! O mar é o meu lar ano após ano, mas acredito que tenha ouvido falar vez ou outra sobre o reino do Ryū-ō no fundo do mar, mas nunca vi com meus próprios olhos tão belo palácio. Deve ser muito distante, isso se ele de fato existir.
– É mesmo? Nunca viu o Palácio do Rei Dragão? Então você ainda não viu um dos lugares mais belos em todo o Universo. Fica nas profundezas do oceano, mas se eu o levar até lá não demoraremos a chegar. Caso você deseje ver as terras do Rei dos Mares, serei seu guia.
– Adoraria ir lá com você, e é muito gentil de sua parte se oferecer para me levar até lá. – retrucou o pescador. Mas você precisa lembrar que sou um mero mortal sem a capacidade de nadar como seres marinhos como você.
– O que? Não! Você não precisa nadar até lá, basta pegar uma carona no meu casco que te levo sem que você se preocupe com nada.
– Mas seu casco é pequeno. – argumentou Urashima. Como é possível para mim subir em cima dele?
– Sei que pode parecer absurdo para você, mas garanto que você é capaz. Tente! Venha, suba em meu casco e veja se é impossível como você imagina.
Depois que a tartaruga terminou de falar, Urashima observou o casco, e por mais estranho que parecesse a seus olhos, de repente aquela pequena criatura cresceu e ficou grande a ponto de um homem pudesse sentar tranquilamente em sua costa.

– Preciso dizer que tudo isso é muito estranho! – exclamou o pescador. Ok, Mr. Tartaruga, com sua permissão, subirei em sua costa. Dokoisho [Doikosho é uma expressão utilizada pelas castas mais baixas do Japão e designa uma exclamação de ação, quando algo é iniciado]!
– Partiremos já! – disse a tartaruga com uma expressão facial imóvel, como se se tratasse de um evento ordinário como qualquer outro.
Então saltou com Urashima acomodado em seu casco e mergulhou para as profundezas do mar. Os dois curiosos companheiros passaram um bom tempo atravessando as águas do oceano.
Urashima, contudo, não se sentia cansado, nem suas roupas ficaram molhadas. Depois de uma longa viagem, a uma longa distância a frente surgiu um magnificente portão, e por trás do portão os enormes telhados inclinados do palácio no horizonte.

– Ya! – exclamou Urashima. Parece que um portão e um enorme palácio está surgindo! Mr. Tartaruga, você pode me dizer qual é o palácio que nós estamos vendo agora?
– Aquele é o Grande Portão do Palácio Rin Gin, o imenso telhado que você vê atrás do portão é o Palácio do próprio Rei dos Mares. – respondeu a tartaruga.
– Então finalmente chegamos ao reino do Rei dos Mares e seu palácio. – disse Urashima.
– Sim, de fato. Não acha que chegamos bem rápido? – respondeu a tartaruga enquanto se aproximava do portão. E cá estamos. Peço a gentileza de você caminhar a partir daqui.
A tartaruga se dirigiu ao portão e disse ao guardião:
– Este é Urashima Tarō, veio do país chamado Japão. Tive a honra de trazê-lo para visitar este reino. Por favor, mostre o caminho a ele.
O guardião, que era um peixe, tomou a frente e conduziu o visitante pelo portão e além dele.
Madai [pargo-japonês], karai [linguado], hirame [falso-alabote-japonês], lulas e todos os outros vassalos do Ryū-ō dos Mares vieram para cumprimentá-lo curvando-se e dando boas-vindas ao curioso visitante.

– Urashima Sama! Urashima Sama! Seja bem vindo ao Palácio do Mar, lar do Ryū-ō dos Mares. Seja bem-vindo três vezes por ter percorrido tamanha distância de seu país até aqui. Enquanto a você, Mr. Tartaruga, estamos em grande débito com você por todos os problemas que enfrentou para trazer Urashima Sama até aqui. Por favor, – disseram a Urashima – siga-nos por aqui.
Sendo Urashima apenas um jovem pescador pobre, não sabia como se portar naquele palácio, mas, um pensamento incomum lhe ocorrera: não se sentia nem envergonhado, nem constrangido, em vez disso, acompanhava seus amáveis guias calmamente até o interior do palácio.
Urashima conhece a princesa
Quando Urashima chegou ao portal, viu uma linda princesa em companhia de suas camareiras surgir para recebê-lo.
Era mais bonita do que qualquer outro ser humano, vestia um esvoaçante vestido vermelho com detalhes verdes que se assemelhavam as ondas do oceano, os fios dourados brilhavam através das bordas do vestido.
Seus belos cabelos pretos repousavam sob seus ombros como o da filha de um monarca de centenas de anos atrás, e quando ela começou a falar, sua voz soava como música através da água.

Urashima parecia estar em um lugar distante e maravilhoso enquanto a ouvia e olhava para ela, o pescador estava atônico e não foi capaz de pronunciar uma só palavra.
Contudo, voltou para a realidade ao lembrar que não tinha se curvado à princesa, mas antes que pudesse realizar o gesto de respeito, sua anfitriã o tomou pela mão, conduziu o convidado ao incrível hall do Palácio Rin Gin até o lugar de honra da mesa e pediu que sentasse.
– Urashima Tarō, tenho o privilégio de dar-lhe as boas-vindas ao reino de meu pai. – disse a princesa. Ontem você salvou uma tartaruga, então, trouxe você até aqui para agradecê-lo por salvar a minha vida, pois eu era aquela tartaruga. Caso deseje, poderá viver aqui, nas terras da eterna juventude, onde o verão nunca acaba e o pesar nunca chega, e se desejar, serei sua noiva, então viveremos juntos e felizes para todo o sempre.
Conforme Urashima ouvia embasbacado as doces palavras ditas por aquele lindo rosto, seu coração se preenchia com grande alegria e júbilo, e então respondeu a princesa se perguntando se tudo aquilo não era um sonho.

– Agradeço mil vezes por suas palavras tão amáveis. Não há nada que eu deseje mais do que permanecer aqui com você neste lindo lugar que só tinha ouvido falar até então, mas que nunca tinha visto até hoje. É além das palavras, este é o lugar mais bonito que vi na vida.
Enquanto Urashima falava, uma fileira de peixes surgiu, todos trajados com roupas cerimoniais arrastadas.
Com passos majestosos e silenciosos, um a um entrou no hall carregando em bandejas de coral iguarias de peixes e algas, iguarias inimagináveis para meros mortais.
Um banquete foi servido diante da noiva e do noivo. Os noivos celebraram em deslumbrante esplendor, e em todo o reino do Rei dos Mares houve grande regozijo.
E assim que o jovem casal brindou a si três vezes com uma taça de vinho, música era tocada, canções foram cantadas, e os peixes com escamas prateadas e cauda dourada surgiu das ondas e dançaram para todos.
Urashima se deleitou com todo seu coração. Nunca em sua vida imaginou que se serviria com um banquete tão maravilhoso.

Quando o banquete chegou ao fim, a princesa perguntou ao noivo se ele gostaria de caminhar com ela pelo palácio para conhecer tudo o que tinha para ser visto.
O pescador consentiu e seguiu sua nova, a filha do Rei dos Mares, com grande alegria.
Ela mostrou a ele todas as belezas e encantos da terra onde a juventude e o prazer caminham de mão dadas, um lugar onde nem o tempo ou a idade alcançava.
O palácio era feito de coral com adornos de pérolas, eram tantas e tão grandiosas as belezas que não havia língua ou idioma que fosse capaz de descrevê-las.

Mas, aos olhos de Urashima, mais belo que o palácio em si, somente o jardim que o cercava.
Era possível observar através dele, e de uma só vez, os diferentes cenários criados pelas quatro estações, todas as belezas da primavera, do verão, do outono e do inverno estavam expostos para a admiração única dos visitantes.

Primeiro, ao olhar para o leste, as árvores de sakura [cerejeira] e ume [ameixeira] estavam todas completamente floridas, os rouxinóis cantavam em meio ao caminho rosado de flores, e as borboletas voavam de flor em flor.

Ao olhar para o sul, todas as árvores estavam verdes como no ápice do verão, as cigarras cantavam durante o dia, durante a noite os grilos chilreavam bem alto.
Observou a oeste as cores flamejantes dos bordo-japonês, semelhantes ao pôr-do-Sol, e crisântemos perfeitos.
Quando olhou para o norte, a visão de Urashima mudou completamente, o chão estava branco, coberto pela neve, a neve também cobria as árvores, os bambus, além do lago congelado.

E todos os dias havia novos prazeres e belezas para Urashima apreciar, e sua felicidade era tão grande que ele esqueceu de todo o resto, inclusive de sua casa que deixara para trás, seus parentes e seus próprios pais.
Passados três dias absorto, Urashima relembrou quem ele realmente era e que ele não pertencia àquele maravilhoso lugar nem ao Palácio do Rei dos Mares, então disse a si mesmo:
– Oh meu Deus! Não posso ficar aqui, tenho meus pais idosos me esperando em casa. O que será que aconteceu com eles todo esse tempo? O quão preocupados eles devem estar todos esses dias que não voltei para casa como sempre volto. Devo voltar imediatamente, nem mais um dia deve se passar.
Urashima começou a se preparar apressadamente para sua jornada de volta. Foi ver sua linda esposa, a Princesa, se curvou diante dela e disse:
– Venho sendo verdadeiramente feliz ao seu lado todo esse tempo, Otohime Sama, você foi mais gentil comigo do que qualquer palavra possa dizer. Mas devo me despedir de você, preciso voltar para meus pais que são idosos.
– Há alguma coisa aqui no reino de meu pai que te faça querer partir tão cedo, Urashima? – perguntou a princesa Otohime Sama com lágrimas nos olhos, voz suave, mas triste. Qual é a pressa? Fique comigo mais um dia, só mais um dia!
Contudo, Urashima relembrou de seus pais, e as responsabilidades do dever para com os pais no Japão é mais forte do que qualquer outra coisa, mais forte que o prazer e até mesmo o amor, portanto, não haveria possibilidade de persuadi-lo. Urashima então respondeu:
– Preciso ir. Não pense que seja minha vontade deixá-la. Não é isso. Preciso ir e ver meus pais. Me deixe ir por um dia e então voltarei para você!
– Então não há nada mais a ser feito. – lamentou Otohime Sama. Mandarei você de volta para seus pais em vez de tentar manter você aqui comigo por mais um dia. Darei a você esse símbolo do nosso amor, por favor, leve de volta com você.
Otohime Sama entregou a ele uma bela caixa feita de laca com cordas de seda e bolas de seda vermelha. Urashima já tinha recebido tanto de sua Princesa Otohime Sama e receber aquela caixa o fez sentir compungido, então disse:

– Não vejo como correto aceitar outro presente de você depois de todas as coisas que você me proporcionou, contudo, só aceitarei por causa de seu doce pedido. Mas diga-me, o que há nesta caixa?
– Esta, – respondeu Otohime Sama – é a Tamatebako [caixa de joias de mão] e contém algo extremamente precioso. Você não deve abrir essa caixa, não importa o que aconteça. Se você abrir, algo terrível acontecerá com você! Prometa que você nunca abrirá essa caixa.
Urashima prometeu a Otohime Sama que nunca abriria a caixa. Despediu-se de Otohime Sama, desceu a beira-mar, a Princesa e seus sevos o seguiam. Na saída do Grande Portão, o jovem pescador viu uma grande tartaruga lhe aguardando.
De volta para casa
Montou em seu casco rapidamente e foi levado do oceano brilhante rumo ao leste. Urashima olhou para trás para observar e se despedir de Otohime Sama até ele não conseguir mais ver ela, nem o reino do Ryū-ō, nem os magníficos telhados inclinados do Palácio Rin Gin, tudo se perdeu na longa distância.
Então voltou sua atenção para sua terra natal, observou as colinas surgindo no horizonte diante dele, por fim, a tartaruga o conduziu até a baía que Urashima conhecia como a palma de suas mãos e o deixou na costa.
Quando colocou os pés na costa deu uma olhada para si, neste momento a tartaruga que o trouxe de volta para casa já tinha retornado ao reino do Rei dos Mares.

Mas que medo estranho era aquele que abateu Urashima enquanto ele olhava para si? Por que olhava tão fixamente as pessoas que passavam por ele, e por que todas pararam para observá-lo?
A costa era a mesma e as colinas eram as mesmas, mas as pessoas que ele observava passar por ele eram muito diferentes dos rostos daqueles que ele conhecia tão bem.
Se perguntou o que significava tudo aquilo, então correu até sua antiga casa. Parecia diferente, ainda assim, a casa continuava no mesmo lugar, então se aproximou e gritou:
– Voltei, pai! Acabo de retornar.
Quando estava prestes a entrar na casa, viu um homem estranho sair dela. “Talvez meus pais tenham se mudado enquanto estive fora”, pensou Urashima. O jovem pescador começou a se sentir estranhamente ansioso, embora não soubesse dizer o porquê.
– Com licença, – disse Urashima ao homem que agora o encarava com curiosidade – mas até alguns dias atrás eu morava nesta casa. Meu nome Urashima Tarō, sabe me dizer para onde meus pais foram enquanto estive fora?
Uma expressão perplexa surgiu no rosto do homem, e, olhando atentamente para o rosto de Urashima disse:
– Como assim? Você é Urashima Tarō?
– Sim, – retrucou o jovem pescador – sou Urashima Tarō!
– Ha-ha-ha! – gargalhou o homem. Você não deveria fazer esse tipo de piada. É verdade que nesta vila já viveu um homem chamado Urashima Tarō, mas isso aconteceu há pelo menos 300 anos. Não seria possível que ele estivesse vivo ainda!
Os olhos de Urashima se arregalaram a medida em que aquelas estranhas palavras eram proferidas por aquele homem. Assustado, disse ao homem:
– Por favor, por favor, não faça esse tipo de brincadeira comigo! Estou extremamente perplexo! Eu sou Urashima Tarō e certamente não vivi por 300 anos. Até quatro ou cinco dias atrás eu vivia neste lugar. Por favor, me explique o que está acontecendo sem piadas, lhe imploro!
– Talvez você seja Urashima Tarō, talvez não, não saberia dizer. – respondeu o homem com feição séria. Mas o homem conhecido como Urashima Tarō de que ouviu falar viveu há 300 anos. Talvez você seja seu espírito que veio visitar sua antiga casa?
– Por que está fazendo troça de mim? Não sou um espírito, sou um homem vivo, não consegue ver meus pés? – rebateu Urashima pisando no chão para mostrar ao homem que não era um espírito [fantasmas japoneses não têm pés].
– Mas – rebateu – Urashima Tarō viveu há 300 anos, é tudo o que sei, e está registrado nas crônicas da vila. – persistiu o homem que não acreditava no jovem pescador.
Urashima estava completamente desnorteado. Permaneceu olhando para tudo ao seu redor muito intrigado, e de fato, a aparência de tudo estava bem diferente daquilo que ele lembrava antes de sua jornada ao Palácio Rin Gin, e então, teve o terrível sentimento de que tudo o que lhe fora dito por aquele homem era verdade.
Tudo parecia um sonho estranho aos seus olhos. Os poucos dias que passou nos domínios do Ryū-ō dos Mares não foram dias, foram séculos no mundo do jovem pescador, tudo e todos que ele conhecia morrera há muito tempo, seus pais, amigos, e até mesmo a vila mudou e escreveu sua própria história.
Não havia mais sentido algum permanecer ali, precisava voltar para sua bela esposa no fundo do mar.
Voltou para a praia carregando em suas mãos o presente dado por Otohime Sama. Mas e agora? Qual é o caminho? Ele não era capaz de encontrar sozinho. De repente lembrou da caixa, a Tamatebako, e conversou consigo mesmo:
– Otohime Sama me disse para nunca abrir essa caixa, que continha uma coisa muito preciosa. Mas agora que voltei para casa, agora que descobri que perdi tudo o que me era importante neste lugar e com meu coração amargando esse crescente pesar, tenho certeza que se eu abrir essa caixa, encontrarei algo que possa me ajudar, alguma coisa que me mostre o caminho de volta para minha linda Princesa no fundo do mar. Não me resta mais nada a fazer agora. Sim, sim, abrirei e verei o que tem dentro desta caixa.
Seu coração consentiu neste ato de desobediência ao se convencer de que quebrar aquela promessa era a coisa certa a ser feita naquele momento.
Lenta, muito lentamente, desamarrou a corda de seda vermelha, aos poucos foi abrindo a tampa da caixa admirado.
E o que ele encontrou? Difícil dizer, mas saiu de dentro da caixa uma linda nuvem roxa em três punhados. Por um instante a nuvem cobriu seu rosto e permaneceu pouco ali, como se estivesse relutante em desaparecer, e então, flutuou com vapor sobre as águas do mar.

Urashima tinha sido um jovem forte e bonito de 24 anos até aquele momento, de repente começou a ficar muito velho. Sua costa envergou, seus cabelos se tornaram tão brancos quanto a neve, sua cara ficou enrugada e ele caiu morto nas areias da praia.
Pobre Urashima. Por causa de sua desobediência, nunca pôde retornar ao reino do Rei Dragão dos Mares ou para sua amada Otohime Sama além dos mares.
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