Tawara Tōda Monogatari: O conto do Milorde do Saco de Arroz

O Conto de Milorde do Saco De Arroz (Tawara Tōda Monogatari) foi muito popular durante todo o período Edo, retrata os feitos de bravura em uma aventura mitológica do aristocrata Jusiwara no Hidesato

Tawara Tōda Monogatari (俵藤太物語) conta a história, ou melhor, a lenda de Fujiwara no Hidesato (原秀郷), um aristocrata, samurai e cortesão da corte Imperial durante o século X no período Heian.

De acordo com a história oficial, Hidesato foi um grande militar reconhecido por sua bravura. Lutou ao lado de Taira no Sadamori (平貞盛) servindo o Imperador Suzaku no levante de Taira no Masakado (平将門) contra o governo central de Kyoto.

Fujiwara no Hidesato, Chinjufu Shōgun e governador da província de Shimotsuke durante o século X
Fujiwara no Hidesato, Chinjufu Shōgun e governador da província de Shimotsuke durante o século X

Vitoriosos na batalha contra o Masakado, Hidesato foi nomeado pelo Imperador como Chinjufu Shōgun (“鎮守府将軍”, comandante-em-chefe da defesa do norte) e governador da província de Shimotsuke, atual prefeitura de Tochigi.

Tawara Toda Monogatari – Senhor do saco de arroz

O título foi traduzido para o inglês como “My Lord Bag of Rice”, Meu Senhor do Saco de Arroz. No Japão é Tawara Toda Monogatari.

Isso se deve por causa de um trocadilho em japonês do nome (próprio ou de um lugar) Tawara (田原) com a palavra ‘tawara’ que significa saco de arroz de palha ou barril de palha.

Yei Theodora Ozaki (1870 - 1932) foi a primogênita do Barão Saburo Ozaki, um nobre japonês que estudava na Inglaterra, e de Bathia Catherine Morrison. Yei, uma nipo-britânica, cresceu tanto no Japão quanto na Inglaterra, durante toda sua vida viajou entre Japão, Europa e EUA. Theodora Ozaki foi responsável pela tradução de diversos contos tradicionais japoneses, em especial os conto de fadas, para o público ocidental. Fotografia provavelmente tirada em 1891, época que Yei trabalhou na embaixada Britânica em Tokyo
Yei Theodora Ozaki (1870 – 1932) foi a primogênita do Barão Saburo Ozaki, um nobre japonês que estudava na Inglaterra, e de Bathia Catherine Morrison. Yei, uma nipo-britânica, cresceu tanto no Japão quanto na Inglaterra, durante toda sua vida viajou entre Japão, Europa e EUA. Theodora Ozaki foi responsável pela tradução de diversos contos tradicionais japoneses, em especial os conto de fadas, para o público ocidental. Fotografia provavelmente tirada em 1891, época que Yei trabalhou na embaixada Britânica em Tokyo

O conto foi muito popular durante o período Edo (1603 – 1868) e circulou consideravelmente no Japão em folhetos ilustrados.

Foi recontado como conto de fadas em 1887 pelo romancista, editor, crítico, contador de histórias e pioneiro em literatura infantil, Iwaya Sazanami (1870 – 1944).

Confira agora a lenda Tawara Tōda Monogatari na íntegra traduzida do japonês para o inglês por Theodora Ozaki, e do inglês para o português pelo portal Japão Real. Não deixe de conferir outras lendas e temas relacionados.

Leia também

O Conto de Tawara Toda Monogatari

Há muitos e muitos anos viveu no Japão um guerreiro conhecido por todos como Tawara Tōda, ou Lorde do Saco de Arroz. Seu verdadeiro nome era Fujiwara Hidesato, e aqui há uma história muito interessante de como ele ganhou esse nome.

Um dia decidiu sair em busca de uma aventura. Por ter uma natureza guerreira, não aguentava a vida monótona e ociosa.

Para sua nova aventura, Hidesato equipou-se com suas duas espadas e pegou um arco muito maior do que ele próprio, o colocou na aljava em sua costa e partiu.

Ponte Seta-no-Karashi

Não havia caminhado muito quando chegou a ponte Seta-no-Karashi que abrangia um trecho da extremidade final do belo Lago Biwa. Poucos instantes depois de colocar seus pés na ponte, viu surgir em seu caminho uma enorme serpente-dragão.

Seu corpo era grande como um pinheiro e ocupava toda a passagem da ponte. Suas garras repousavam nos parapeitos dos dois lados, parecia que o monstro dormia, e conforme respirava, fogo e fumaça saiam de suas narinas.

 O sentimento alarmante ao se deparar com aquele réptil repulsivo em seu caminho foi inevitável, e para Hidesato existiam apenas duas saídas possíveis, voltar de onde veio ou passar por cima do monstro.

A decisão já estava tomada, afinal, era um homem destemido. Colocou de lado qualquer sombra de medo e caminhou para frente firme e decididamente.

Cruch, crunch! Pisava em moedas enquanto caminhava no corpo do dragão e não olhou para trás nem mesmo por um segundo.

Tinha dado apenas alguns passos quando ouviu alguém atrás dele o chamar. Surpreendeu-se quando olhou para trás e viu que a serpente-dragão tinha desaparecido, e, em seu lugar, surgiu um homem de estranha aparência que se curvava de forma quase cerimoniosa em direção ao chão.

Seus cabelos vermelhos escorriam por seus ombros sobrepujando uma coroa em formato de cabeça dragão, trajava-se de verde-mar com adornos de conchas em suas vestes.

Hidesato entendeu que não se tratava de um mero mortal. A estranha situação o deixou intrigado. Para onde teria ido aquele dragão naquele curto espaço de tempo?

Teria ele se transformado neste homem? E o que tudo aquilo significava? Com esses pensamentos em mente, aproximou-se do homem na ponte e o indagou:

                – Foi você quem me chamou agora?

                – Sim, o chamei. – respondeu o homem. Tenho um pedido sincero a você. Acha que poderia realizá-lo por mim?

                – Se estiver ao meu alcance, realizarei. – respondeu Hidesato. Mas primeiro, me diga, quem é você?

                – Sou o Ryū-ō (“龍王”, Rei Dragão) do Lago Biwa, e minha casa são as águas que correm sob esta ponte.

                – E o que você quer me pedir? – perguntou Hidesato.

                – Quero que mate meu inimigo mortal, uma centopeia que vive além das montanhas. – disse o Ryū-ō apontando para um enorme pico na direção oposta à margem do lago.

                – Há anos vivo neste lago, e nele tenho uma grande família, filhos e netos também. – continuou o Ryū-ō. Nos últimos tempos temos vivido um grande terror, este monstro, a centopeia, descobriu que vivemos aqui. Noite após noite ela vem e leva embora um de meus familiares. Sou impotente para salvá-los. Se essa situação prosseguir, não só terei perdido todos os meus filhos, como eu mesmo devo me tornar uma vítima deste monstro. Estou, contudo, muito consternado. Nesta situação de extrema necessidade, estive determinado a pedir a ajuda de um ser humano. Com essa intenção esperei por dias nesta ponte na forma de uma horrível serpente-dragão que você viu a pouco, tudo na esperança de que um bravo guerreiro atravessaria mesmo assim. Porém, de todos os que vieram por esse caminho, no momento em que me viam, se aterrorizavam e corriam o mais rápido que podiam. Você foi o primeiro homem que encontrei capaz de olhar sem temer, foi então que soube que você é um homem de grande coragem. Imploro por sua piedade! Você não poderia me ajudar e matar meu inimigo centopeia?

Ao ouvir sua história, Hidesato comiserou-se com Ryū-ō e prometeu ao Rei Dragão que o ajudaria de bom grado. Perguntou onde a centopeia vivia para que atacasse a criatura de uma vez.

O Ryū-ō respondeu ao guerreiro que sua morada era na montanha Mikami. O Rei Dragão, no entanto, enfatizou que seu inimigo vinha para o seu palácio todas as noites, portanto, Hidesato só precisava aguardar sua vinda.

Então, Hidesato foi conduzido ao palácio do Ryū-ō embaixo da ponte. Surpreendentemente, a medida em que seguia seu anfitrião para as profundezas do lago, a água permitia que o guerreiro passasse por ela, nem mesmo suas roupas ficaram molhadas durante o aquoso trajeto.

Palácio no fundo do lago Biwa

Hidesato nunca tinha visto nada tão belo quanto esse palácio de mármore branco no fundo do Lago Biwa. Os delicados peixes-dourados, as carpas vermelhas e as trutas prateadas, todos esperando o Rei Dragão e seu convidado.

Hidesato ficou atônito com o banquete e o conjunto que lhe foi oferecido: os pratos eram feitos de pétalas de flores de lótus em cristal, seus hachi era feitos da rara madeira de ébano.

Peixes dourados dançantes

Assim que sentaram a mesa, as portas deslizantes se abriram e dez adoráveis peixes-dourados dançantes surgiram. Atrás deles vinham dez carpas vermelhas musicistas, alguns tocavam samisen, outros dedilhavam seus koto.

Conforme as horas voavam noite adentro, a música e a dança tão belas baniram quaisquer pensamentos que levassem a terrível centopeia. O Rei Dragão estava prestes a brindar em homenagem ao bravo guerreiro quando o palácio foi sacudido com um forte tremor! “TRUM TRUM”, como se um exército inteiro estivesse marchando nas proximidades.

Hidesato e seu anfitrião levantaram da mesa e correram em direção a varanda, foi então que o guerreiro avistou do lado oposto da montanha duas enormes bolas de fogo incandescentes chegarem mais e mais perto. O Ryū-ō permaneceu ao lado de seu convidado e tomado por um medo paralisante.

                – A centopeia! A centopeia! Essas duas bolas de fogo são seus olhos! Está vindo nos buscar! Agora é a hora de matá-la! – disse o Rei Dragão.

Neste momento, Hidesato correu seus olhos para onde o dedo indicador de seu anfitrião apontava, e, na penumbra de uma noite estrelada, por trás das duas bolas de fogo viu um corpo gigantesco que sinuosamente circundava as montanhas.

O brilho que o movimento de suas cem pernas emitia era semelhante ao lento movimento de lanternas que caminhavam em direção a costa. Apesar do monstro terrível, Hidesato não demonstrou sequer apreensão, pelo contrário, buscava acalmar seu anfitrião.

                – Não tema. Asseguro que matarei a centopeia. Traga-me meu arco e flechas. – disse Hidesato.

O Rei Dragão fez como ordenado e entregou as armas de seu convidado. O guerreiro então se deu conta que tinha somente três flechas em sua aljava. Agarrou seu arco, posicionou uma flecha na corda, mirou com precisão, disparou e a assistiu voar.

A flecha acertou o meio da cabeça da centopeia, mas ricocheteou sem causar danos ao mostro ao invés de perfurá-lo. O guerreiro acabara de perder uma flecha.

Inabalável, Hidesato pegou outra flecha, posicionou-a na corda, disparou novamente e novamente acertou no meio da cabeça do monstro.

Novamente ricocheteou e a flecha caiu ao chão. A criatura era invulnerável a armas! Ao se dar conta que aquele bravo guerreiro e suas flechas eram impotentes para matar aquela besta, o Rei Dragão perdeu as esperanças, e trêmulo, foi tomado pelo medo.

Última fecha

Ao ver sua última flecha, ficou claro que mais um erro e ele não seria capaz de matar a centopeia. Quando observou através da água, viu que o terrível monstro deferiu sete ferimentos na montanha com seu corpo gigante e que em breve chegaria ao lago.

Os olhos flamejantes se aproximavam e se aproximavam e as luz reluzente de seus cem pés em movimento agora eram refletidos pelas águas do lago Biwa.

O guerreiro teve uma lembrança súbita em que ouviu que a saliva humana era mortal contra centopeias.

Mas aquela não era uma centopeia comum, era uma besta que causava horror só de pensar nela. Hidesato decidiu que tentaria uma última vez.

Cobriu a flecha com saliva

Pegou sua última flecha, colocou a ponta na boca para cobrir com saliva, colocou-a na corda, mirou e disparou a flecha.

A flecha voou novamente e atingiu o meio da cabeça da centopeia, mas em vez de ricochetear inofensivamente como nos disparos anteriores, desta vez o artefato atingiu diretamente o cérebro da temível criatura.

Após se contorcer convulsionando, o corpo serpentinoso da centopeia parou de se mover, seus grandes olhos ferozes de fogo e o brilho das suas cem pernas agora se escureciam como o Sol no crepúsculo de um dia chuvoso.

Agora, somente a escuridão pelos céus, os trovões rompendo o breu e o vento rugindo furiosamente, era como se o mundo tivesse chego ao fim. O Ryū-ō, seus filhos e criados estavam escondidos, todos aterrorizados com temor que abalou o palácio instantes atrás.

Finalmente a terrível noite caia e o raiar de uma nova alvorada surgiu, bela e clara. A centopeia desaparecera da montanha.

Hidesato chamou o Rei Dragão para que saísse com ele na varanda, pois a centopeia havia morrido e não havia mais motivos para temer.

Todos os residentes do palácio do Ryū-ō saíram alegremente, Hidesato apontava para o lago. Lá jazia o corpo sem vida da centopeia que boiava na água avermelhada do sangue da besta derrotada.

A gratidão do Rei Dragão não conhecia limites. Toda sua família se curvou diante do guerreiro, o aclamaram como seu guardião e como o guerreiro mais destemido de todo o Japão.

Um novo banquete mais faustoso que o anterior foi preparado. Todos os tipos de peixes preparados de todas as formas imagináveis: cru, ensopado, cozido e frito, tudo servido em bandejas rubras e pratos de cristais, o vinho mais saboroso que Hidesato já experimentou na vida, tudo a sua disposição.

E para a surpresa do convidado do Rei Dragão, o palácio era milhares de vezes mais belo com o brilho da luz solar fazendo com que a água do lago parecesse um diamante líquido.

Seu anfitrião, o Ryū-ō, bem que tentou persuadir o guerreiro para que ele passasse mais alguns dias em no palácio em sua companhia, Hidesato recusou respeitosamente a oferta do Rei Dragão, disse que realizou o que prometeu e que era hora voltar para casa.

O Rei Dragão e sua família sentiram um grande pesar ao ter de vê-lo ir embora tão brevemente, mas que ele levasse consigo, nas palavras dos familiares, alguns pequenos presentes em gratidão por ter livrado todos da terrível centopeia.

Quando chegou ao alpendre do palácio, uma fileira de peixes se transformou em uma comitiva de homens vestidos com robe cerimonial e coroa de dragão em suas cabeças como demonstração de servidão ao grande Rei Dragão, traziam os presentes oferecidos ao guerreiro.

1º. Um grande sino de bronze;

2º. Um saco de arroz;

3º. Um rolo de seda;

4º. Um conjunto de panelas;

5°. Um sino.

Hidesato não quis aceitar todos esses presentes, mas o Rei Dragão insistiu e ele não pôde recusar.

O Ryū-ō acompanhou pessoalmente o guerreiro até o final da ponte. Despediu-se de seu convidado com muitos cumprimentos e votos de felicidade, e o deixou em companhia de sua comitiva que acompanhariam Hidesato até sua casa com os presentes.

A volta para casa

Os familiares e servos do guerreiro estavam preocupados com o paradeiro de seu mestre que não tinha retornado na noite anterior, mas assumiram que ele deveria ter passado a noite em outro lugar por causa da violenta tempestade da noite anterior.

Quando os servos o viram retornando em companhia da comitiva do Rei Dragão, chamaram toda a família para irem ao encontro de Hidesato.

Se perguntavam o que havia acontecido, qual era o significado daquela procissão, dos presentes e bandeiras.

Assim que a comitiva do Rei Dragão colocou os presentes no chão, desapareceram. Foi então que Hidesato contou aos criados o que tinha acontecido com ele.

Sino foi para templo

Os presentes que recebeu como gratidão do Ryū-ō tinha poderes mágicos, com exceção do sino de bronze. Sem encontrar serventia para esse presente, doou-o para templo próximo, lá foi pendurado, seu som marcava as horas e era ouvido por todo o vilarejo.

Saco de arroz infinito

O saco de arroz, não importava quanto arroz você pegasse para alimentar toda a família do cavaleiro, seu nível nunca caia. Era um saco de arroz inexaurível.

Rolo de seda que não acabava

O rolo de seda também não tinha fim, ano após ano foram feitas novas vestimentas para o guerreiro comparecer a Corte Imperial durante o Ano Novo.

Panelas formidáveis

As panelas eram igualmente formidáveis. Não importava o que fosse feito dentro delas, cozido ou frito, a refeição sempre saía maravilhosa.

A fama da fortuna de Hidesato se espalhou, e como ele não precisava gastar dinheiro com arroz, seda ou cozinha elaborada, tornou-se um homem muito rico e próspero, foi assim que acabou conhecido como Lorde do Saco de Arroz.

0 comentário em “Tawara Tōda Monogatari: O conto do Milorde do Saco de Arroz

Deixe uma resposta

%d blogueiros gostam disto: