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Sumô feminino no Japão: uma luta pelo direito ao dohyō

Presente em 87 países, o sumô feminino no Japão precisa lutar por respeito, visibilidade, pelo direito de se profissionalizar e competir no Dohyō.

O Sumô (相撲) é um esporte extremamente popular no Japão, competições e torneios acontecem praticamente o ano inteiro, seja para classificação, seja disputando o título. No esporte dominado por homens, o sumô feminino no Japão sobrevive em meio a muita luta.

Por falta de visibilidade, há quem se surpreenda, que existam mulheres que dedicam suas vidas ao sumô, que lutam desde a infância e sonham com a possibilidade de viver em função desse esporte que é uma paixão nacional.

Torneio Internacional Amador de Sumô Feminino, Osaka, 2019. Dos 87 países em que o sumô é praticado, somente no Japão não há categoria de sumô feminino profissional
Torneio Internacional Amador de Sumô Feminino, Osaka, 2019, com mais de 400 atletas de diversas delegações. Dos 87 países em que o sumô é praticado, somente no Japão não há a categoria de sumô feminino profissional

O motivo? Inexistentes competições profissionais de sumô feminino. As razões para a proibição são diversas: vãos das raízes ligadas a tradições espirituais do Japão ao longo dos últimos 1500 anos, até a questão da desigualdade de gênero que persiste até os dias de hoje.

Acompanhe nesse artigo a luta das mulheres japonesas pelo reconhecimento profissional do sumô feminino, suas histórias, sonhos e aspirações para o futuro pessoal e o futuro do esporte no Japão.

Invisibilidade do sumô feminino no Japão

A história das mulheres japonesas que praticam sumô de forma não romantizável, é um mundo onde as principais lutas acontecem fora do ringue em feito por homens para homens. Não há espaço para mulheres.

Lindsey E. DeWitt, PhD em cultura e línguas asiáticas descreve a situação em que o esporte permanece no país em seu artigo Japan’s Sacred Sumo and the Exclusion of Women: The Olympic Male Sumo Wrestler (O Sumô Sagrado do Japão e a Exclusão das Mulheres: O Lutador de Sumô Masculino Olímpico).

Lindsey E. DeWitt Prat, PhD em cultura e línguas asiáticas com foco em budismo japonês pela UCLA Department of Asian Languages & Cultures
Lindsey E. DeWitt Prat, PhD em cultura e línguas asiáticas com foco em budismo japonês pela UCLA Department of Asian Languages & Cultures

As mulheres japonesas enfrentam muitas dificuldades ao longo de suas vidas. O relatório Global Gender Gap (Desigualdade de Gênero Global) de 2022 da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) revela que o Japão ocupa a 116ª posição entre 146 pesquisados, sendo a terceira maior economia mundial.

O ringue utilizado pelas mulheres no Japão não é oficial por causa das tradições e ritos do shinto. Confira a incrível obra de Matthew McQuillan em um dia de treinamento de duas jovens joshi sumo da capital japonesa, Tokyo clicando aqui
O ringue utilizado pelas mulheres no Japão não é oficial por causa das tradições e ritos do shintō. Confira a incrível obra de Matthew McQuillan em um dia de treinamento de duas jovens joshi sumo da capital japonesa, Tokyo clicando aqui

Mas no sumô, as coisas são levadas a outro patamar. Mulheres são proibidas até mesmo de tocar no Dohyō (“土俵”), o ringue quadrilateral coberto de arroz com um círculo central que os osumōsan (お相撲さん) se enfrentam.

Uma segregação multidimensional na sociedade japonesa que envolve as esferas religiosas, culturais, de gênero e do próprio estado nacional que questiona a suposta secularidade, isto é, a condição do mundo em relação ao seu próprio tempo da esfera pública do Japão.

Nyonin Kinsei: Proibido Mulheres

Uma das formas mais antigas de legitimação da exclusão feminina nas atividades públicas do Japão utilizadas até hoje, principalmente no que diz respeito ao sumô feminino, é o Nyonin Kinsei (“女人禁制”, proibido mulheres), também conhecido como Nyonin Kekkai (女人結界).

O termo surgiu há aproximadamente 1300 anos atrás no sagrado Monte Ōmine, sul da província de Nara, onde fica o Ōminesan-ji, um dos sete templos Shugendō, uma forma de budismo japonês que mistura tradições e folclores indígenas, Tao e shintō.

Entrada para a subida ao santuário Ōminesan-ji, Monte Ōmine, Sul de Nara. Na placa, a proibição a mulheres: "Mulheres não são permitidas: através de uma resolução dessa montanha sagrada, Ominesan, proíbe qualquer mulher escalar [a montanha] a partir daqui, de acordo com a tradição religiosa"
Entrada para a subida ao santuário Ōminesan-ji, Monte Ōmine, Sul de Nara. Na placa, a proibição a mulheres: “Mulheres não são permitidas: através de uma resolução dessa montanha sagrada, Ominesan, proíbe qualquer mulher escalar [a montanha] a partir daqui, de acordo com a tradição religiosa”

Por causa da proibição Nyonin Kinsei as mulheres foram e seguem sendo, em maior ou menor medida atualmente, segregadas de boa parte da vida pública do Japão como atividades religiosas em geral, pesca, caça, construção civil, fazer sushi, produtora de sakê e de cerâmica.

Com o sumô não é diferente. Isso porque, em sua origem, o sumô é uma atividade sagrada entre deidades masculinas e homens mortais nos santuários shintō do país. Em muitos aspectos, o sumô é visto como uma tradição religiosa.

Nihon Sumo Kyōkai (“日本相撲協会”, Associação Japonesa de Sumô), um órgão tutelado pelo Ministério da Educação, Cultura, Esporte, Ciências e Tecnologia do Japão insiste que é uma questão Shūkyōteki Dentō (“宗教的伝統”, Tradição Religiosa).

Shūkyōteki Dentō e o sumô feminino

Um dos principais argumentos do Nihon Sumo Kyōkai é a questão Shūkyōteki Dentō, isto é, a tradição religiosa. Tokitsukaze Katsuo, presidente da associação (Rijichō, “理事長”) entre 1998 a 2002, afirmou sobre a proibição de mulheres competindo profissionalmente no sumô:

“O sumô profissional defende a tradição de não permitir que mulheres entrem no Dohyō baseados em rituais aos kami e nós queremos preservar essa tradição.”, afirmou Tokitsukaze em meados dos anos 2000.

Dohyō-iri (土俵入り), cerimônia de abertura shintō realizada nas competições oficiais de sumô no Japão
Dohyō-iri (土俵入り), cerimônia de abertura shintō realizada nas competições oficiais de sumô no Japão

Para as crenças shintō (e justiça seja feita, praticamente todas as religiões do mundo, incluindo o budismo e o próprio cristianismo), a menstruação é uma impureza, portanto, nessa visão de mundo, a mulher é um ser impuro.

É importante pontuar que se passaram 1500 anos de desenvolvimento técnico, econômico, ético, filosófico e espiritual desde o surgimento do sumô, mas essa mentalidade persiste com raízes profundas na sociedade japonesa.

Kyokai Nobuyoshi, presidente da Nihon Sumo Kyōkai
Kyokai Nobuyoshi, presidente da Nihon Sumo Kyōkai

Em abril de 2018, o atual presidente da Nihon Sumo Kyōkai, Nobuyoshi Hokutoumi, foi questionado pela política de proibição do sumô feminino profissional. Hakkaku fez uma declaração citando três motivos para manter o sumo feminino profissional proibido:

  1. As raízes do sumo são baseadas rituais dedicados a deidades;
  2. Preservar a cultura do sumô profissional;
  3. O ringue de sumô, o Dohyō, é um Shinseina Tatakai No Ba (campo de batalha sagrado) e um local de treinamento para homens.

A Nihon Sumo Kyōkai é uma corporação e uma organização praticamente governamental que, apesar de todas as críticas a sua política, atua como uma espécie de administrador do interesse público em assuntos relativos à religião, tradição e ‘o lugar das mulheres na sociedade’.

Pode parecer um exagero dizer que a associação atua como administrador do lugar das mulheres na sociedade japonesa. Infelizmente não é o caso. A proibição do sumô feminino pela associação tem ramificações reais no dia a dia e na tomada de decisões no país.

Yoshiro Mori, ex-primeiro ministro do Japão em renúncia ao cargo de presidente do comitê organizador dos Jogos Olímpicos de Tokyo 2020 no início de 2021
Yoshiro Mori, ex-primeiro ministro do Japão em renúncia ao cargo de presidente do comitê organizador dos Jogos Olímpicos de Tokyo 2020 no início de 2021

Quando presidiu o Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos de Tokyo, o ex-primeiro ministro do Japão, Yoshiro Mori disse em uma reunião no começo de 2021 para discutir a meta estabelecida pelo próprio comitê em 2019 de ter 40% dos membros do sexo feminino:

“Se aumentarmos o número de membros do sexo feminino [no comitê], temos que assegurar que seu tempo de fala seja restrito de alguma forma, elas têm dificuldade em terminar de falar, o que é irritante. Temos sete mulheres no comitê organizador, mas todos sabem o seu lugar.” – Yoshiro Mori, ex-presidente do comitê organizador dos Jogos Olímpicos e ex-primeiro ministro do Japão

Discussão pública do sumô feminino no Japão

O debate público na sociedade japonesa, seja na sociedade civil, seja nos meios de comunicação é um dos grandes colaboradores com o silenciamento de mulheres a quem são negadas o direito de competirem profissionalmente no esporte que amam.

É difícil encontrar cobertura da imprensa japonesa sobre o sumô feminino. Além da dificuldade, ao procurar corre-se o risco de encontrar lamentáveis e abjetos tabloides enviesado para a hipersexualização das mulheres japonesas. É mais fácil encontrar reportagens em mídias de destaque de outros países
É difícil encontrar cobertura midiática sobre o sumô feminino no Japão. Além da dificuldade, ao procurar corre-se o risco de encontrar lamentáveis e abjetos tabloides enviesado para a hiperssexualização das mulheres japonesas. É mais fácil encontrar reportagens em mídias de destaque de outros países

Os questionamentos sobre a segregação das mulheres no sumô ou nas práticas religiosas (o nyonin kinsei foi formalmente abolido em 27 de março de 1871 pelo governo do Imperador Meiji) surge apenas em 1978 e só reaparece de tempos em tempos.

Então, apesar da proibição do nyonin kinsei, a lei que já vigora a mais de 150 anos parece ter um efeito de institucionalidade meramente estética. Um caso de abril de 2018 na cidade de Maizuru, prefeitura de Kyoto, é revelador sobre a ilusão do fim da segregação entre gênero.

Em vista de modernizar o Japão e equipará-lo às potências ocidentais, o Nyonin Kinsei foi formalmente abolido em 27 de março de 1871 pelo governo do Imperador Meiji
Em vista de modernizar o Japão e equipará-lo às potências ocidentais, o Nyonin Kinsei foi formalmente abolido em 27 de março de 1871 pelo governo do Imperador Meiji

No dia 4 de abril, o Maizuru Culture Park Gymnasium realizou o 75º tour regional de primavera de sumô profissional. Na solenidade de abertura, o então prefeito Ryozo Tatami espalhava um pouco de arroz pelo Dohyō e discursava para o público dando-lhes boas-vindas.

Em meio ao discurso, Tatami teve um mal súbito e colapsou no Dohyō. Os homens ao lado do prefeito não sabiam o que fazer. De repente, duas mulheres que acompanhavam o evento subiram ao Dohyō, afastaram os homens e iniciaram o procedimento RCP.

Profissionais de saúde são retiradas do dohyō enquanto salvam a vida do prefeito. Após o incidente, os organizadores do evento "purificaram" o local com uma quantidade significativa de sal
Profissionais de saúde são retiradas do dohyō enquanto salvam a vida do prefeito. Após o incidente, os organizadores do evento “purificaram” o local com uma quantidade significativa de sal

Por 47 segundos, as duas profissionais da área médica realizaram a reanimação cardiopulmonar em Ryozo. Outras mulheres também somaram esforços no socorro ao prefeito poucos instantes depois.

Enquanto reanimavam o prefeito, vítima de uma hemorragia cerebral conforme reportado posteriormente, o jovem apresentador do evento disse ao microfone:

Josei no kata wa dohyō kara orite kudasai! Josei no kata wa dohyō kara orite kudasai! Josei no kata wa dohyō kara orite kudasai, dansei ga oagarikudasai! (Mulheres, por favor desçam do ringue! Mulheres, por favor desçam do ringue! Mulheres, por favor desçam do ringue, homens, por favor entrem no ringue)”.

As mulheres foram de fato retiradas do Dohyō. A tradição do sumô (também do shintō em muitos aspectos) diz que a presença de mulheres polui os locais sagrados, nesse caso o Dohyō. Isso significa necessariamente que, nessa visão de mundo, as mulheres são impuras.

Após a ocorrência, o Dohyō foi “purificado” com uma quantidade considerável de sal. A repercussão do caso foi a pior possível, dentro e fora do Japão. Esses foram alguns dos títulos das manchetes que reportaram o caso:

Com a repercussão negativa, o presidente da Nihon Sumo Kyōkai, Nobuyoshi Hokutoumi, pediu desculpas pelo ocorrido e afirmou que a situação foi imprópria. Contudo, depois do dia do incidente em Maizuru, o evento foi realizado na cidade de Takarazuka, prefeitura de Hyogo.

Takarazuka é uma cidade famosa pela Takarazuka Gekidan (宝塚歌劇団), uma companhia de teatro formado exclusivamente por mulheres desde 1914 e tem uma história incrível, uma coincidência simbólica que dá liga a sucessão trágica de acontecimentos vindos desde Maizuru.

Nakagawa Tomoko, prefeita de Takarazuka que foi proibida de subir no dohyo discursando na tour de sumô de primavera
Nakagawa Tomoko, prefeita de Takarazuka (que foi proibida de subir no dohyō pela Nihon Sumo Kyōkai) discursando na tour regional de primavera de sumô profissional

Como de praxe, o prefeito da cidade abre o evento discursando dentro do Dohyō. Porém, a cidade tinha uma prefeita, Nakagawa Tomoko. No ano anterior, ela havia aceitado discursar fora do ringue, mas com a repercussão do evento anterior, Tomoko pediu para a Nihon Sumo Kyōkai para discursar sob o Dohyō, o que lhe foi prontamente negado.

Em mais um momento de profundo constrangimento para as mulheres, Nakawa Tomoko discursa no dia 6 de abril em um palco abaixo do Dohyō. Em um trecho emocionado de seu discurso, a prefeita disse ao público:

“Mulheres e prefeitas também são seres humanos. Estou frustrada por não poder realizar esse discurso no Dohyō só por eu ser uma mulher. Os tempos mudaram e o número de prefeitas está aumentando. Um dia, talvez tenhamos uma mulher ocupando o cargo de primeira ministra. È importante ter coragem para mudar aquilo que precisa ser mudado”.

Com dois escândalos a nível nacional e internacional em quatro dias, a Nihon Sumo Kyōkai se envolveu em mais um escândalo dois dias depois da prefeita de Takarazuka ter de discursar fora do Dohyō.

No dia 8 de abril, a cidade de Shizuoka, capital da prefeitura de mesmo nome, tinha programado um evento chamado Chibikko Sumo. O evento recebe alguns dos maiores rikishi fazem uma sessão de treinamento com crianças do primário.

Registro do evento Chibikko Sumo em 2017 quando meninas puderam participar. Em 2018, no entanto, de maneira pusilânime, a Nihon Sumo Kyōkai proibiu a participação de meninas há poucos dias do evento
Registro do evento Chibikko Sumo em 2017 quando meninas puderam participar. Em 2018, no entanto, a Nihon Sumo Kyōkai proibiu a participação de meninas há poucos dias do evento

No evento do ano anterior em 2017, meninos e meninas puderam subir no Dohyō e treinar com alguns dos grandes nomes do esporte. Apesar dos escândalos em Maizuru e Takarazuka, a Nihon Sumo Kyōkai obrigou o evento a não permitir a presença de meninas.

Cinco garotas que treinavam sumô em clubes da cidade ficaram a ver navios, mesmo tendo se preparado e planejado a participação no Chibikko Sumo, entre elas, a vencedora do All Japan Women’s Sumo Championship de 2017. O caso também repercutiu negativamente:

A exigência da Nihon Sumo Kyōkai foi feita há apenas quatro dias do Chibikko Sumo. O prefeito Tanabe Nobuhiro exigiu os mesmos direitos ao discurso para todos os prefeitos, independentemente do gênero.

Problemas da tradição

A exclusão da presença feminina no sumô (e em alguns locais considerados sagrados no Japão) é um problema transversal que atinge diretamente crianças, profissionais de saúde qualificadas e até mesmo de autoridades públicas.

Display em homenagem a Nomino Sukune as portas do National Stadium nos Jogos Olímpicos de Tokyo 2020
Display em homenagem a Nomino Sukune as portas do National Stadium nos Jogos Olímpicos de Tokyo 2020

O Ministério da Educação, Cultura, Esporte, Ciências e Tecnologia do Japão alega que a Associação de Sumô deve ter autonomia para preservar a cultura, a Associação e seus filiados repetem um mantra de que o Sumô é ancestral, sagrado e exclusivamente masculino.

A proibição imposta pelo governo do Imperador Meiji ocorreu no dia 27 de março de 1871.

Terceira edição da moeda comemorativa de JP¥ 10 mil intitulada como "Victory, Glory and Shin-gi-tai", a despeito do sumô japonês não ter paridade de gênero
Terceira edição da moeda comemorativa de JP¥ 10 mil intitulada como “Victory, Glory and Shin-gi-tai”, a despeito do sumô japonês não ter paridade de gênero

É preciso ter clareza de que isso só é possível pela transversalidade do problema. A Nihon Sumo Kyōkai é um órgão tutelado por uma pasta ministerial, o sumô é o esporte mais popular do Japão e tudo isso se mantém graças aos patrocinadores.

Apesar de seu segregacionismo evidente, o sumô teve poder para se fazer presente nos estádios dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos de Tokyo 2020 e na terceira edição da moeda comemorativa de JP¥ 10 mil, tudo credenciado pelos patrocinadores, mesmo após uma série de escândalos.

Histórias do sumô feminino no Japão

É em meio terreno de batalha pantanoso que as mulheres batalham pelo direito de o sumô feminino existir como categoria profissional contra uma política que vem reforçando suas posições nos últimos 1500 anos.

A maior luta das joshi sumo acontece fora dos ringues contra mais de 1500 anos de consolidação de crenças anacrônicas, discriminatórias e execráveis sob o manto da preservação da tradição religiosa
A maior luta das joshi sumo acontece fora dos ringues contra mais de 1500 anos de consolidação de uma política sob o manto da preservação da tradição religiosa. Foto por Matthew McQuillan

Em meio a tamanha opressão, há muitas mulheres que desafiam o status quo e que ocasionalmente encontram aliados do sexo masculino, pessoas que entendem e estendem a sacralidade de seus ritos a todos seus semelhantes.

Conheça histórias de mulheres reais que são a ponta de lança, que vem de baixo para cima abertamente contra as regras ditadas de cima para baixo por homens poderosos há milênios.

Joshi Sumo: as lutadoras de sumô

As lutadoras de sumô do Japão, conhecidas como Joshi Sumo (女子相撲) estão em situação semelhante aos 300 espartanos, 700 téspios e 400 tebanos na Batalha Termópilas durante a Segunda Guerra Médica entre a aliança das pólis helênicas contra o Império Persa de Xerxes.

Em artigo publicado em novembro de 2016 pelo periódico italiano Grazia, edição francesa, Agnès Redon revela que para cada garota entre 18 e 21 anos que competem em campeonatos juvenis, há 300 garotos competindo.

Equipe de sumô feminino da Ritsumeikan University de 2016 consagrada campeã conta equipes do próprio Japão, China (Hong-Kong e Taiwan), Tailândia e Mongólia na 4th International Women’s Sumo Invitational Championship em Sakai, prefeitura de Osaka. A equipe contava com Manaho Nozaki, Emi Inaba, Hiyori Kon, Miku Yamanaka e Wakana Kako
Equipe de sumô feminino da Ritsumeikan University de 2016 consagrada campeã contra equipes do próprio Japão, China (Hong-Kong e Taiwan), Tailândia e Mongólia na 4th International Women’s Sumo Invitational Championship em Sakai, prefeitura de Osaka. A equipe contava com Miku Yamanaka, Emi Inaba, Hiyori Kon, Manaho Nozaki e Wakana Kako (respectivamente da esquerda para a direita)

E para as veteranas, tal como os helênicos no desfiladeiro de Termópilas, as joshi sumo defendem um caminho seguro e livre para que outras ingressem no esporte e lutem também para conquistar o direito do sumô feminino se profissionalizar.

TEDxTalks Hamamatsu com a palestra de Manaho Nozaki. Para ativar a legenda em português, ative o botão de legenda, depois, clique no botão com o ícone da engrenagem, clique em “Legendas/CC”, depois clique em “Traduzir automaticamente”, por fim, selecione e idioma português

E para isso, elas treinam duro e pesado. Na Nihon University, na capital japonesa, por exemplo, as atletas “amadoras” são treinadas junto com seus colegas do sexo masculino por Hideto Tsushima, um homem que afirmou em entrevista a Agnès Redon:

“Os japoneses tem uma imagem mental do sumô de lutadores corpulentos e com as nádegas à mostra, o que seria impróprio para mulheres quando na verdade, elas são perfeitamente capazes de fazê-lo.” – Hideto Tsushima, técnico de sumô da Nihon University

Perder não é uma opção

Em 87 países que realizam competições (nacionais e internacionais), para o sumô feminino japonês, perder não é uma opção, nunca. Tanto quanto, ou até mais do que os homens, para essas mulheres, o sumô é sagrado.

As joshi sumo costumam treinar com colegas do sexo masculino, o que pode aumentar a dificuldade em relação a tamanho, peso e força, uma espécie de microcosmos que essas atletas enfrentam todos os dias por amor ao sumô.

  • Yuka, jovem joshi sumo treinando com seu colega durante um treinamento no heya da Nihon University
  • Yuka praticando com um cilíndro para tackle
  • Sayaka se alongando durante um treinamento no heya da Nihon University
  • Sayaka saúda sua oponente antes da luta começar
  • O choro emocionado de Shiori após sua derrota nas finais do 5th National Japan Student Women Sumo Tournament realizado na casa que defende, a Nihon University
  • A equipe feminina de sumô da Nihon University parabenizam Shiori após sua vitória no 8th National Japan Women realizado na prefeitura de Gifu
  • Sayaka (esquerda) e Shiori (direita) passando em um shopping no centro de Tokyo antes de irem ao treino noturno no heya da Nihon University
  • As equipes masculinas e feminina da Nihon University em uma refeição conjunta

A vida de joshi sumo que treinam na Nihon University foi acompanhada e registrada de forma belíssima pelo fotojornalista Nicolas Datiche, ele afirma que demorou a se dar conta da importância do sumô na vida dessas jovens.

Perder uma batalha tem um significado muito profundo, um sentimento de que todas as joshi sumo falharam: “É emocionante por que quando elas perdem, é como se o mundo inteiro desabasse sobre suas cabeças”, afirmou Datiche.

A determinação de Kokona Hasegawa

Kokona Hasegawa é aluna da Kizukuri Junior High School e a única garota no time de sumô de sua escola. Com cerca de 1,70m de altura, Kokona não parece nem de longe mais fraca que seus colegas.

Kokona começou no esporte no segundo ano do ensino fundamental no clube Tsugaru Asahifuji Junior Club, fundado em homenagem ao yokuzona Asahifuji, natural da cidade de Kizukuri, prefeitura de Aomori.

Kokona Hasegawa, a única garota na equipe de treino Tsugaru Asahifuji Junior Club e seus colegas
Kokona Hasegawa, a única garota na equipe de treino Tsugaru Asahifuji Junior Club e seus colegas

Em seus primeiros desafios, nenhum de seus colegas meninos foram páreos para ela. Atualmente, cursando o terceiro ano do ensino médio, Kokona contou ao Asahi Shimbun que está preocupada:

“Foi muito divertido por um tempo, mas os meninos se tornaram mais fortes, o que me deixa preocupada”, contou ao jornal com um sorriso um pouco nervoso.

Especialista na técnica chamada migi-sashi, que consiste em colocar seu braço direito embaixo da axila esquerda do oponente para forçá-lo para fora do dohyō, após um movimento de impulsão.

Especialista na técnica migi-sashi, Kokona não se intimida, e apesar da força de seus colegas de treino, é preciso muito mais do que isso para derrotá-la no ringue
Especialista na técnica migi-sashi, Kokona não se intimida, e apesar da força de seus colegas de treino, é preciso muito mais do que isso para derrotá-la no ringue

Ao longo de suas disputas em torneios nacionais, a jovem joshi sumo foi a segunda colocada no torneio individual nacional na quinta série do ensino fundamental e o terceiro lugar em outro torneio nacional no ano seguinte. Mas ela não está satisfeita com seu desempenho.

Durante a pandemia, Kokona praticava o shiko, movimento com os pés que trabalha três princípios básicos do sumô, isto é, o equilíbrio, a força e a flexibilidade, cerca de 200 vezes ao dia.

Quando pôde voltar a treinar com seus colegas, Kokona Hasekawa lutou 15 vezes com seus colegas e realizou 10 treinamentos butsukari-geiko, uma sessão de exercícios bem extenuante, tudo para competir no nível do ensino médio e se tornar a campeã nacional.

A nova geração de joshi sumo

O sumô feminino vem crescendo, e apesar de carregar a pecha de competição “amadora”, não se engane, a Japan Women’s Sumo Federation (日本女子相撲連盟), organização fundada em 1996 avança lenta, mas progressivamente e aumentando suas fileiras.

O evento foi criado em 2019, mais de 35 anos depois do Wanpaku Sumo para garotos

Há toda uma geração de garotas inspiradas pelo amor ao sumô e que sonham com a possibilidade de viver do, e para o sumô, no heya e no dohyō, como uma joshi sumo profissional, respeitada e prestigiada da mesma forma que os rikishi.

Senna Kajiwara, uma garota de voz suave de 12 anos foi a primeira campeã do torneio nacional de sumô na sua categoria (entre 8 e 12 anos), o Women’s Wanpaku Sumo, um evento histórico realizado dia 26 de agosto de 2019 no Okudo Sogo Sport Center.

A jovem joshi sumo Senna Kajiwara (camiseta azul) já conquistou 2 títulos de campeã desde que começou no esporte aos 8 anos de idade
A jovem joshi sumo Senna Kajiwara (camiseta azul) já conquistou 2 títulos de campeã desde que começou no esporte aos 8 anos de idade

Na ocasião, o Women’s Wanpaku Sumo reuniu 180 jovens joshi sumo de todo o Japão. A jovem Senna Kajiwara que começou a praticar sumô junto com judô aos 8 anos está determinada a manter seu título.

“Algumas pessoas ficam chocadas quando descobrem que faço sumô. Eles tendem a pensar que o sumô é somente para garotos e homens. Penso que se houver mais garotas e mulheres no sumô, então seremos capazes de nivelar o jogo e viver do sumô. Espero que isso aconteça.”, Senna Kajiwara, joshi sumo de 12 anos, campeã nacional da Women’s Wanpaku Sumo

Na edição de 2021, Senna manteve sua ambição e venceu na categoria de 12 anos, foi seu último ano competindo no ensino fundamental. A partir de 2022, a jovem passou a defender o sumô de sua prefeitura, Hyogo, a em competições para estudantes do ensino médio.

A jovem joshi sumo Senna Kajiwara já carrega 2 títulos de campeã desde que começou no esporte aos 8 anos de idade
Para Senna Kajiwara, o sumô ensina a nunca desistir e sempre se fortalecer

Determinada, Senna afirma não temer o ringue e vai além: “Algumas pessoas não entendem por que faço sumô, mas não me incomodo com o que pensam. Se você quer fazer sumô, então você deve fazer sumô. Fazer sumô te ensina a nunca desistir e se fortalecer”.

Novos talentos

Miki Ouike é uma joshi sumo e se orgulha do número de garotas que ela treina e dá aulas, ao mesmo tempo, que lamenta a falta de clubes de sumô para elas no país. A consequência é óbvia: a maioria das garotas que se tornaram artistas marciais escolherão o judô em vez do sumô.

Por falta de visibilidade, jovens interessadas em artes marciais tendem a ir para outras modalidades como kendō, judō, karate ou aikdō, por exemplo, em vez do sumô. O desconhecimento da modalidade do sumô feminino no Japão é o principal inimigo das joshi sumo
Por falta de visibilidade, jovens interessadas em artes marciais tendem a ir para outras modalidades como kendō, judō, karate ou aikdō, por exemplo, em vez do sumô. O desconhecimento da modalidade do sumô feminino no Japão é o principal inimigo das joshi sumo

Entre as alunas de Ouike, a grande promessa é uma garota de 12 anos, Nikori Hara, campeã do campeonato regional. Agora ela treina para conquistar os próximos Wankapu, que deverá ver um crescimento exponencial no número de competidoras nos próximos anos.

O clube que Miki dá aulas não é exclusivo para garotas, portanto, suas garotas têm de treinar com seus colegas do sexo masculino. Ela conta, gostaria que mais meninas soubessem que há torneios para elas no sumô. a visibilidade é ainda um terrível obstáculo a ser superado.

Apesar de tudo, há simpatia e maior interesse da sociedade japonesa pelo sumô feminino. Os treinamentos unissex de sumô são comuns em todas as regiões, nas atividades extracurriculares das escolas, clubes locais ou estimulado pelas comunidades, afinal, é o principal esporte nacional.

Himeka Suzuki, a pequena joshi sumo potencialmente terá um papel fundamental na luta pela difusão e profissionalização do sumo feminino no Japão. Há cada vez mais garotas treinando sumô, mas ainda há um abismo de 300 para 1 a ser superado
Himeka Suzuki, a pequena joshi sumo potencialmente terá um papel fundamental na luta pela difusão e profissionalização do sumô feminino no Japão. Há cada vez mais garotas treinando sumô, mas ainda há um abismo de 300 para 1 a ser superado

As garotas são bem-vindas nos clubes de sumô nas universidades japonesas, e mesmo no ensino superior, as jovens joshi sumo precisam treinar com seus colegas do sexo masculino, os números são muito desvantajosos: uma garota a cada 300 garotos.

As limitações de estrutura

Hiyori Kon, joshi sumo de 25 anos e membro da equipe nacional de sumô feminino do Japão tem uma vida dupla. Kon é protagonista dos documentários Ela Luta Sumô de 2018 e Love & Hate or Believe de 2019.

Sua história a fez entrar para a lista da BBC como uma das 100 mulheres mais inspiradoras e influentes do mundo em 2019. Apesar da repercussão, Hiyori trabalha em uma empresa na prefeitura de Aichi e participa de campeonatos internacionais.

Trailer do minidoc “Little Miss Sumo” (Ela Luta Sumô) produzido pela Netflix

Por ser uma atleta amadora, é impossível para ela se dedicar integralmente ao sumô feminino e viver em um heya como os profissionais. As dificuldades não param por aí. Kon aponta para a falta de mulheres treinando outras mulheres.

Para Kon, os treinadores não entendem as aspirações e necessidades do sumô feminino. A pior parte, porém, é a financeira, afinal, o sumô profissional é um esporte que pode oferecer uma vida digna a seus atletas.

A joshi sumo Hiyori Kon foi eleita em 2019 como uma das 100 personalidades femininas mais inspiradoras
A joshi sumo Hiyori Kon foi eleita em 2019 como uma das 100 personalidades femininas mais inspiradoras

Quanto mais próximo do topo da cadeia hierárquica (o sumô possui seis divisões: makuuchi, jūryō, makushita, sandanme, jonidan e jonokuchi respectivamente), maiores os ganhos. Os Yokozuna, atletas de elite recebem salários de aproximadamente US$ 25 mil.

Todos começam na mais baixa, a jonokuchi. Contudo, essa divisão tem um número fixo de lutadores, 40. Cada divisão tem seu número fixo de atletas, e somente a eles são concedidos o direito de viver em um heya.

Entrevista com Hiyori Kon para a BBC. Legendas disponíveis apenas em inglês

Isso no sumô profissional, para as joshi sumo que estão fadadas a exclusão dessa possibilidade, as possibilidades econômicas são infinitamente menores. É uma questão de visibilidade, e portanto, patrocínio, investimento, publicidade, um mercado consumidor.

“O sumô feminino é visto como um esporte menor, a equipe nacional do Japão sequer consegue treinar em um local adequado por falta de recursos financeiros. A questão principal é como estabeleceremos uma liga e transformar o sumô amador em sumô profissional”, afirma Kon em entrevista à CNN Sport durante a Women’s Wanpaku Sumo realizada em 5 de janeiro de 2022.

Mas apesar da dificuldade, Hiyori Kon tem orgulho do que foi alcançado até aqui, especialmente no estabelecimento de um Wanpaku para meninas de 8 a 12 anos:

Primeira edição de Wanpaku feminino realizado em 2019, mais de 35 anos depois do mesmo evento ter sido criado para meninos
Primeira edição de Wanpaku feminino realizado em 2019, mais de 35 anos depois do mesmo evento ter sido criado para meninos

“A sociedade japonesa está mais aberta ao sumô feminino. Este é o segundo ano que realizamos o Women’s Wanpaku Sumo e estou orgulhosa que nós tenhamos feito isso do zero, passando do primeiro para o segundo torneio”, disse Kon.

Nana-chan: a sensação mirim de Shibata

Na cidade de Shibata, prefeitura de Niigata, uma adolescente de 14 é um símbolo de orgulho para sua comunidade, sua família e, especialmente, para o sumô feminino. Você pode encontrar pôsters da jovem joshi sumo em loja e comércios locais, o nome dela: Nana Abe

Nana Abe, mais conhecida como Nana-chan, no dohyō construído por seus pais no quintal de sua casa. O local serve de treinamento para outros colegas de sumô
Nana Abe, mais conhecida como Nana-chan, no dohyō construído por seus pais no quintal de sua casa. O local serve de treinamento para outros colegas de sumô

Conhecida como Nana-chan, a jovem encantou a fotojornalista moscovita, Yulia Skogoreva, especialista em movimento e dança que acompanhou a vida da jovem durante um período, o trabalho de Yulia pode ser conferido clicando aqui.

Na época do trabalho realizado por Skogoreva, Nana-chan tinha apenas 11 anos. Durante o Wanpaku realizado em 2019, a fotojornalista viu o tamanho da pequena Nana-chan dentro de um evento que parecia uma competição amigável entre garotas de 8 a 12 anos.

Equipe de sumô juvenil de Nana-chan, cidade de Shibata, prefeitura de Niigata
Equipe de sumô juvenil de Nana-chan, cidade de Shibata, prefeitura de Niigata

Mas, quando a estrela de Shibata entrou em cena, seus fãs vibravam, levantavam cartazes e gritavam pelo seu nome. A fotojornalista russa ficou espantada com o sucesso de Nana-chan considerando a quase invisibilidade da categoria de sumô feminino.

A jovem joshi sumo não tem fãs apenas em sua cidade natal, seus admiradores estão espalhados por todo o Japão. Mais do que isso, o maior suporte de Nana Abe vem de sua família. Seus pais construíram um ringue no quintal de casa para que ela possa treinar todos os dias.

Nana-chan treinando com colega no clube de sumô de Shibata, prefeitura de Niigata
Nana-chan treinando com colega no clube de sumô de Shibata, prefeitura de Niigata

Apesar da pouca idade, a joshi sumo tem uma dedicação transcendente e faz com que seja uma inspiração para todos ao redor e para outras garotas, que levam o sumô a sério. Uma vez, após vencer uma competição, seu nome foi colocado em frente da prefeitura municipal por fãs.

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Uma visão estrangeira e feminina

Para Yulia Skogoreva, fotojornalista especializada em movimento e dança, radicada no Japão há 10 anos, seu primeiro contato com o sumô feminino a impressionou. Habituada a fotografar dança, dançarinas e dançarinos, bailarinas e bailarinos, viu no sumô algo semelhante.

Em conversa com Paul McInnes, editor sênior da principal revista sobre o Japão em inglês, a Tokyo Weekender, Yulia contou que a seus olhos, o sumô é uma forma de dança ou performance, afinal, são corpos em movimento.

Yulia Skogoreva, fotojornalista moscovita radicada a mais de um década na capital japonesa, Tokyo
Yulia Skogoreva, fotojornalista moscovita radicada a mais de um década na capital japonesa, Tokyo

“Sempre me impressiono com o quão flexível elas são. Algumas das lutadoras de sumô são capazes de ter uma abertura completa de pernas e as levantam muito alto. Você pode perfeitamente criar uma dança inspirada nos movimentos de sumô. Na verdade, essa é uma ideia para um trabalho futuro de uma coreografia baseada nos movimentos do sumô.” – Yulia Skogoreva

Seu contato com o sumô feminino aconteceu de uma maneira incomum. Skogoreva fez algumas colaborações com calígrafos japoneses e artesãos de cerâmica. A fotojornalista se encantou com os movimentos desses artistas por tanto se assemelharem a uma dança.

Semelhança da posição com o sumô em um projeto de dança realizado por Yulia
Semelhança da posição com o sumô em um projeto de dança realizado por Yulia

Depois dessas experiências, Yulia ficou curiosa sobre o sumô e começou a pesquisar. Foi só então que descobriu a existência do sumô feminino, uma categoria muito mais profunda, pois o sumô feminino não é só sobre corpos se movimentando.

Por isso, não é menos relevante que os corpos femininos sejam captados, fotografados, filmados e registrados pelos olhares femininos, seja nas danças ou nos esportes para que eles sejam exaltados por suas competências técnicas e dedicação, e não como fetiche exótico (ultra)sexualizado.

O sumô feminino japonês pela ótica da fotojornalista russa, Yulia Skogoreva
O sumô feminino japonês pela ótica da fotojornalista russa, Yulia Skogoreva

Ávida por mais informações, a fotojornalista enfrentou muita dificuldade em entrar em contato com alguma joshi sumo, e para conseguir fotografar até mesmo a categoria “amadora” de sumô. é preciso receber uma autorização da Nihon Sumo Kyōkai.

Yulia precisou de empenho e paciência de quase um ano de insistência para finalmente obtê-la, foi assim que acabou conhecendo Nana-chan, sua família e foi autorizada pelos pais de Nana Abe para acompanhar o cotidiano da pequena grande estrela de Shibata.

Após quase um ano de insistência, Yulia Skogoreva obteve autorização da Nihon Sumo Kyōkai para fotografar os eventos de sumô feminino no Japão
Após quase um ano de insistência, Yulia Skogoreva obteve autorização da Nihon Sumo Kyōkai para fotografar os eventos de sumô feminino no Japão

“Há muitas garotas no Japão que sonham em ter uma carreira profissional. Tentei entrar em contato com elas, o que é muito difícil, muitas não têm redes sociais, e mesmo que tivessem, não são fáceis de encontrar”, contou Yulia a McInnes.

Skogoreva segue em contato de tempos em tempos com Nana-chan e o projeto fotográfico com a joshi sumo continua em produção. Yulia espera contribuir com a luta das mulheres japonesas pelo direito de competir profissionalmente no dohyō e viver com dignidade da, e para a luta.

A vida das joshi sumo segundo Lisa Monin

Em outubro de 2022, o canal franco-germânico ARTE, um dos mais plurais Europa, lançou o documentário Japan: Womem in Sumo (Japão: Mulheres no Sumô) produzido por Lisa Monin, jornalista investigativa, em parceria com seu colega também investigativo, Paul Cabanis.

O documentário acompanha a rotina de Sakura Ishii, uma garota de 17 anos que iniciou no esporte aos 8 anos (vencendo em primeiro lugar em sua primeira competição), única joshi sumo do clube de sumô de sua escola.

Lisa Monin, jornalista investigativa parisiense e autora do documentário Japan: Womem in Sumo (Japão: Mulheres no Sumô) e  veiculado pelo canal franco-germânico ARTE
Lisa Monin, jornalista investigativa parisiense e autora do documentário Japan: Womem in Sumo (Japão: Mulheres no Sumô) e veiculado pelo canal franco-germânico ARTE

Com a proibição da categoria profissional de sumô feminino, Sakura vê a janela de seu sonho de defender o Japão no sumô nos Jogos Olímpicos, agora que o sumô foi reconhecido pelo COI (Comitê Olímpico Internacional) como esporte, minguar.

Com quase 18 anos Sakura percebe, que no tempo em que o sumô for uma modalidade olímpica, será velha demais para competir. Isso porque para se tornar esporte olímpico, o COI exige paridade de gênero no esporte.

Joshi sumo Sakura Ishii conquistou o título de sua categoria no 8th Asia Women Sumo Championship
Joshi sumo Sakura Ishii conquistou o título de sua categoria no 8th Asia Women Sumo Championship

É uma pressão externa considerável, uma vez que o esporte é o mais popular do Japão e está presente em quase 100 países. Mas não há nenhuma demonstração de que a Nihon Sumo Kyōkai pretenda mudar sua posição.

O documentário de 25 minutos também acompanha a rotina e os dramas que a equipe de sumô feminino da Asahi University (liderada por Nami Yaguchi) vivem. Confira.

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