A Igreja da Unificação que mudou o nome para Family Federation for World Peace and Unification (Família Federação por um Mundo de Paz e Unificação) ou Universal Peace Federation (Federação Universal pela Paz), entrou nos holofotes no Japão e mundo por conta do assassinato do ex premier Shinzo Abe.
Continue lendo, entenda o caso e confira informações sobre a Igreja sul coreana, assim como sua polêmica atuação no Japão.
Assassinato do ex premier Shinzo Abe

O ex premier Shinzo Abe foi assassinado em julho de 2022 enquanto apoiava um candidato de seu partido LDP (Partido Liberal Democrático) em um comício realizado na rua.
Recebeu tiros de uma espingarda caseira feita por um homem chamado Tetsuya Yamagami, 41 anos. Apesar de ter segurança, houve uma brecha e o homem se aproximou por trás de Abe enquanto ele discursava.
Yamagami foi preso na hora e confessou que sentia ressentimento da Igreja da Unificação e voltou sua raiva ao ex premier, confirmada pelas informações da polícia e repercutidas pela imprensa.
Isso levantou questões, pois Abe não era membro formal da igreja. Então, qual seria sua ligação com o caso?
Mãe é membro da igreja e fez doações
A mãe de Yamagami é um membro formal de uma filial no Japão e fez doações em torno de 100 milhões de ienes ($700,000) ao longo das últimas duas décadas. Isso deixou a família em situação de pobreza e com dificuldades.
Inclusive, chegou a pedir desculpas para a Igreja da Unificação pelos problemas causados pelo filho (repercussão negativa pelo assassinato) e afirmou que a igreja é sua vida, se mantendo leal.
Ligação de Shinzo Abe com a Igreja da Unificação
Shinzo Abe era o líder do partido LDP (Partido Democrata Liberal) e gravou um vídeo de agradecimento pelo trabalho de paz destinado aos membros da Igreja da Unificação em setembro de 2021, além de comparecer em eventos.
Foi quando Yamagami decidiu voltar sua indignação para o político, segundo relato dado para a polícia japonesa.
Em uma carta enviada um dia antes do ataque a um blog (howwelldoyouknowyourmoon [quãobemvocêconheceseumoon]) que reúne relatos de pessoas que tiveram suas vidas impactadas pela igreja, ele contou que também sentia ressentimento pelo avô de Shinzo Abe, o político Nobusuke Kishi por promover a igreja nos anos 60 (a entrada oficial foi em 1959).
Além disso, segundo um relatório produzido pelo FBI em 1975 e divulgado pelo The Diplomat, Nobusuke Kishi colaborou com a criação de um partido anti-comunista no Japão chamado IFVC (International Federation for Victory over Communism [Federação Internacional para Vitória sobre o Comunismo]) em 1968 com apoio da Igreja da Unificação.
Portanto, apesar de não ser membro, Abe mantinha uma simpatia com os ideais conservadores pregados e tinha ligações não oficiais com membros através de sua atuação política como parte de seu trabalho.
Tinha apoiadores dentro da igreja que angariavam votos e gravava vídeos congratulando membros que eram exibidos em reuniões.
Essa relação foi exposta após sua morte por jornais japoneses e internacionais. Isso fez o partido LDP alertar sobre esse tipo de conexão, já que a Igreja é envolvida de polêmicas em como angaria fundos no Japão, além de outras práticas.
Já foi acusada de ser um culto em vez de religião, além de adotar métodos considerados controversos com acusação de lavagem cerebral, acuação e manipulação para doar dinheiro, além de fazerem vendas espirituais. Entenda mais abaixo.
O que é a Igreja da Unificação?

A Igreja da Unificação foi fundada pelo Reverendo Sun Myung Moon (1920 – 2012) em 1954 na Coreia do Sul.
Nascido na Coreia do Norte, fazia parte da Igreja Presbiteriana, mas foi excomungado por ter ideias que eram contrários ao que a religião prega e acusado de heresia.
Isso porque aos 15 ou 16 anos (o calendário coreano é diferente do gregoriano) afirmou que recebeu uma visão de Jesus o avisando de que ele próprio era o Messias. Ele seria o escolhido por Deus para trazer paz ao mundo na Terra.
Foi parar na Coreia do Sul após o fim da guerra da Coreia onde fundou sua igreja, que acabou se tornando a Igreja da Unificação na década de 90 com valores tradicionais conservadores e anti-comunismo.
Escreveu uma doutrina (Princípios Divinos) em que ele próprio seria o verdadeiro pai da humanidade e seus filhos seriam livres do pecado.
Se separou de sua primeira esposa e casou com Hak Ja Han, considerada a mulher perfeita, juntos viraram os True Parents (Verdadeiros Pais).

Sua igreja ganhou uma outra proporção depois que se mudou para os Estados Unidos na década de 60 onde começou a espalhar sua doutrina e criou um império bilionário com grande parte do dinheiro vindo de seguidores no Japão, assim como a mãe de Yamagami.
70% da riqueza veio do Japão

De acordo com reportagem do jornal The Washington Post, 70% da riqueza da igreja veio do Japão. O dinheiro coletado ia para a Coreia do Sul e depois para os Estados Unidos.
US$800 milhões em 9 anos
Em 9 anos (1975 a 1984) foram arrecadados $800 milhões vindos do Japão, segundo informações coletadas pelo jornal de um membro de alto escalão da filial japonesa com vendas de mini pagodas, chá ginseng, objetos variados e vendas espirituais.

Inclusive, haviam metas a serem cumpridas, por isso membros faziam pressão em seus seguidores. Um membro regular arrecadava $4,000 por mês e anualmente essa quantia chegava a $100 milhões.
Casamentos em massa

Moon ficou famoso pelos casamentos em massa onde combinava homens e mulheres de diferentes nacionalidades que nunca tinham se visto antes ou falavam a mesma língua para se casarem e virarem os pais de filhos que em tese nasceriam livres do pecado.
Estas crianças nascidas em grande parte na década de 70 são conhecidas como True Children (Crianças Verdadeiras) e chamadas de Moonies pelas pessoas fora da igreja nos Estados Unidos. No entanto, esse termo é considerado pejorativo entre os unificadores.
São os filhos nascidos dentro da doutrina e após a morte do reverendo Moon em 2012, muitos saíram da igreja após questionarem os métodos praticados acusando de manipulação e abuso.
No Japão existem crianças nascidas sob a doutrina também.
Métodos de angariar fundos no Japão pela Igreja da Unificação
Para entender a polêmica em como a igreja consegue dinheiro de fieis no Japão, assim como outros métodos, confira informações que vieram à tona por jornais depois do assassinato de Shinzo Abe.
A mãe que ficou dependente emocionalmente
Por volta de 2005, um homem na faixa dos 40 anos de Osaka recebeu uma ligação em pânico de seu pai dizendo que havia algo de errado com a mãe. O pai abriu a caderneta do banco e mostrou saldos negativos indicando empréstimos.
60 milhões de ienes em empréstimos
Mais de 60 milhões de ienes (mais de $450,000) tinham sumido das economias da família.
O homem que não teve a identidade revelada contou ao jornal The Mainichi que sua mãe é do tipo séria e não é extravagante. Por isso, eles pensaram que ela estava sendo enganada por alguém.
Quando checou os armários achou vários objetos da Unification Church (Igreja da Unificação). Eram vasos, escrituras e pedras preciosas.
Quando foi confrontada, sua mãe respondeu que fez pela família. Poucos aos poucos ela foi contando tudo o que aconteceu.
A mulher virou membro da Igreja da Unificação por volta dos anos 90 e 2000. Um seguidor falou para ela que sua família não entenderia, se ela quisesse protegê-los, deveria tomar decisões.
Os filhos que já tinham saído de casa não sabiam de nada e o pai, que é médico, estava ocupado demais. Ela passou a fazer grandes doações em dinheiro.
Quando os filhos eram pequenos e sua saúde estava frágil, ela passou a frequentar reuniões de um outro grupo religioso pela manhã.
Quando ficou fraca demais para comparecer, foi excluída e sem lugar algum para ir. Solitária e sem querer incomodar a família com suas questões emocionais, conheceu a Igreja da Unificação.
Ela passou a desabafar com um integrante que a ouvia por horas onde se sentia livre para chorar. Acabou se tornando dependente.
Foi em 2006 que o pai de família percebeu o sumiço das economias e ele consultou um pastor de uma igreja protestante chamado Atsuyomi Ojima que faz um trabalho contra a atitude de má-fé praticada pela Igreja da Unificação no Japão.
A mulher começou a se desvencilhar do grupo recebendo conselhos. Após um ano e meio dos ocorridos ela se desculpou com a família e interrompeu o contato com a igreja.
Rede Nacional de Advogados Contra Vendas Espirituais
Eles receberam ajuda de outras famílias e entraram em contato com o National Network of Lawyers Against Spiritual Sales (Rede Nacional de Advogados Contra Vendas Espirituais) onde conseguiram recuperar um pouco do dinheiro doado através de abertura de processo judicial na corte japonesa, assim como muitas outras famílias enganadas.
34.000 famílias doaram 123.7 bilhões de ienes
Segundo a rede eles receberam contatos parecidos de outras 34,000 famílias que fizeram doações, que ao montante chegam a 123.7 bilhões de ienes entre 1987 a 2021.
331 milhões de ienes apenas em 2022
Em 2022 foram 47 consultas de famílias com danos que giravam em torno de 331 milhões de ienes, segundo reportagem do The Diplomat.
O trabalho deles é ajudar estas pessoas que tiveram as famílias despedaçadas por conta destas doações.
Segundo Suganuma Mitsuhiro, um membro formal da Agência de Segurança Pública no Japão, afirmou que o governo japonês não consegue mudar o comportamento da igreja em coletar dinheiro devido a liberdade dada a religião presente na constituição.
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Dinheiro em troca de salvação
Segundo uma série de reportagens do portal Insider e do jornal The Guardian, em que ex integrantes, as True Children deram relatos, além de um artigo de sociologia da Society Register da London School of Economics and Political Sciences em que uma professora (Eileen Barker) esmiuçou o modo de agir dos unificadores, o Japão foi alçado a carteira da igreja.
Apesar de pregar a unificação através de povos de diferentes culturas e países com objetivo de propagar a paz, os japoneses em especial tinham um papel a desempenhar em que eram colocados em uma posição de culpa e medo, que levava a coação, além de serem tratados de forma diferente.
Depois de serem acolhidos por uma suposta rede de apoio, eram informados de que eram obrigados a limpar os atos pecaminosos de seus antepassados falecidos e de seus parentes vivos para salvarem eles do inferno.
Serviços espirituais
A Igreja da Unificação possui o hábito de cobrar serviços espirituais não só de japoneses, mas eles em especial pagam mais por conta de um karma maior e esse era o motivo para os descendentes sofrerem, segundo relatos de ex seguidores.
Um ritual de limpeza de pecados de antepassados é oferecido para todos e obrigatório para os membros que desejam fazer parte da comunidade.
Limpeza de pecados de ancestrais
Dos americanos era cobrado cerca de US$ 400,00 para uma limpeza dos pecados de sete gerações, já dos japoneses esse valor chegava a 70,000 ienes ($5,000), além de uma conta maior que deveria ser paga por conta da época colonial em que os japoneses ocuparam a península coreana entre 1910 a 1945. Essa era a justificativa dada.
Este valor foi retirado de uma calculadora de pecados que a igreja criou e disponibilizou onde cobra pela liberação de ancestrais, assim como bençãos cobradas à parte.
Além destes rituais de limpeza do pecado dos antepassados, a Igreja ainda vende casas no mundo espiritual, vasos e outras quinquilharias sagradas que são compradas a custo baixo na Coreia do Sul e depois revendidas a preços elevados.
Caso um membro questionasse sobre essa limpeza espiritual, eles diziam que os antepassados voltariam, as pegariam pelo pescoço e arrastariam a alma da pessoa para o inferno, com outros argumentos que colocavam medo e culpa onde a única forma de salvá-las seria através de dinheiro.
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