Em um dos episódios mais lamentáveis da história moderna, as gigantescas estátuas de Buddha esculpidas nas montanhas da cidade afegã de Bamiyan, juntamente com outros patrimônios culturais incluindo um mural budista foram destruídos em 2001 pelo regime Talibã (1996 – 2001).
Apesar da tragédia com pitadas de ironia, afinal, tudo é impermanência para os budistas, especialistas japoneses da Tokyo University of the Arts conseguiram recriar um dos murais destruídos utilizando técnicas tradicionais e recursos digitais.

Apelidado de “super clone”, o mural de três metros de altura e seis de comprimento foi exposto no museu da universidade entre os meses de setembro e outubro de 2021, semanas após o Talibã retornar ao poder no Afeganistão.
Para a reconstrução do mural que apresenta um Boddhisattva (alguém no caminho da iluminação ou budeidade) azul foram utilizadas mais de uma centena de fotografias de arqueólogos japoneses antes da destruição em Bamiyan.
Encruzilhada civilizacional
O Vale de Bamiyan é considerado como uma encruzilhada civilizacional. O próprio budismo japonês é relacionado a região. A China, por exemplo, é um dos países que fazem fronteira com o Afeganistão (embora o budismo tenha chegado na China através da Índia).
Outros países também fazem fronteira com o Afeganistão, como o Paquistão, Irã, Turcomenistão, Uzbequistão e Tadjiquistão, países de maioria islâmica. Contudo, o Islã surgiu no século VII, o budismo surgiu por volta do século IV a.C.

Então, o budismo foi muito importante para a região por séculos, ainda mais se for levado em consideração o apogeu do Império Mongol com Kublai Khan (1260 – 1294) em que a influência budista foi predominante no vasto território – que incluía o Afeganistão e os vizinhos citados.
Embora não tenha existido uma religião oficial no Império Mongol, todas as religiões eram aceitas, contudo, o apreço de Kublai Khan pela cultura e espiritualidade chinesa, isto é, o budismo e o confucionismo são evidentes até mesmo em suas retratações (imagens).
Uma nova esperança
Após 20 anos de ocupação estadunidense, o Talibã retornou ao poder no Afeganistão sem quaisquer dificuldades ou resistência do governo anterior criado pelas forças aliadas da OTAN, com isso, o medo de um novo regime brutal aflige os países mais próximos.
Porém, ao que tudo indica até o momento, a nova geração entende a necessidade das relações internacionais e as normas mínimas de civilidade estabelecida em comum acordo pela comunidade.

Ademais, o próprio governo atual enfrenta seus desafios com o surgimento de uma facção do Estado Islâmico (ISIS) no país, o K-ISIS. De qualquer forma, os líderes do Talibã disseram que pretendem proteger os patrimônios históricos do país, incluindo os não islâmicos.
Em uma recente visita aos Buddhas gigantes destruídos, jornalistas da AFP (Agence France-Presse) disseram que homens armados do Talibã estavam fazendo a segurança do local que estava programado para reabrir ainda em 2021.
Amizade Japão-Afeganistão
Embora não tão noticiado, o Japão é um dos principais colaboradores do Afeganistão. Kosaku Maeda, membro do comitê da UNESCO para o patrimônio cultural do Afeganistão e um dos líderes da equipe de reconstrução sonha em construir um museu da paz no Vale de Bamiyn.
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Para Maeda, historiador de 88 anos que visitou o vale durante quase meio século, as imagens dos Buddhas sendo destruídas, se tornando poeira e desaparecendo nas nuvens ainda é muito viva e extremamente chocantes.

Contudo, o professor se mostra otimista quanto ao futuro. Maeda acredita que o vandalismo perdeu o sentido uma vez que a tecnologia atual pode reproduzir com muita fidelidade qualquer coisa que eventualmente seja ou tenha sido destruído.
A opinião também é compartilhada pelo professor especialista em patrimônio cultural euro-asiático, Takashi Inoue, que também liderou a equipe de reconstrução do mural: “Fomos capazes de recriar com incrível precisão a representação em três dimensões”.

Inoue ressalta os detalhes que vão desde a textura das paredes ao estilo de pintura do Boddhisattva e acrescenta: “Paremos com o vandalismo. Vamos preservar a inestimável cultura (patrimônio da humanidade) juntos”.
Apesar de não ser possível recolocar o “super clone” no Afeganistão, Maeda citou o que está escrito em um banner na entrada do Museu Nacional do Afeganistão em Kabul: “Uma nação se mantem viva quando sua cultura mantém-se viva”.
Trabalho fantástico e super necessário!