Uma série de cartas enviadas pelo diplomata japonês Kumaichi Horiguchi (1865 – 1945) ao melhor amigo, Teisho Takeishi, entre 17 de novembro de 1894 a 18 de outubro de 1895 revelou a possível trama do assassinato da Imperatriz de Joseon (Coreia) Myeongseong.
Incidente Eulmi
O assassinato aconteceu nas primeiras horas manhã do dia 8 de outubro de 1895 e segundo novos indícios descobertos por cartas envolveu militares, diplomatas e civis japoneses estacionados no reino. O caso ficou conhecido como Incidente Eulmi.

Embora a palavra incidente pareça dar uma impressão branda a um assassinato brutal, seu uso é recorrente no mundo confucionista. Um episódio inesperado que altera o curso normal de algo é a definição mais adequada para o termo.
E foi exatamente o que aconteceu na península coreana após o assassinato de Imperatriz Myeongseong, esposa do 26º rei da dinastia de Joseon e primeiro Imperador do país, Gojong, uma mudança radical no futuro da península coreana.
Contexto histórico e político
Após a primeira guerra sino-japonesa (1894 – 1895), o Japão impôs uma série de imposições a Dinastia Qing com o Tratado de Shimonoseki assinado entre os dois países no Pavilhão de Shunparō no dia 20 de março de 1895.
Entre as inúmeras exigências estavam a entrega de Taiwan ao Japão e o estabelecimento de um protetorado japonês na península coreana. Com isso, a China foi obrigada a reconhecer a “independência” da Joseon que fora um estado tributário da China durante séculos.

Outra exigência do Império do Japão foi a abertura dos portos da China e a península de Liaodong. Na prática, Joseon se tornou uma colônia do Japão e a China perdeu sua soberania para o Japão.
Apesar da grande conquista japonesa, a Imperatriz Myeongseong (também conhecida como rainha Min ou Hyoja Wonseong Jeonghwa Hapcheon Myeongseong Taehwanghu, nome póstumo) se recusou submeter Joseon a influência japonesa.

Para isso, ela apelou aos russos para que a Tríplice Intervenção formada por Rússia, Alemanha e França retirasse de Joseon a influência/domínio japonês.
Esses países obrigaram o Japão a devolver a península de Liaodong a China, o que enfraqueceu a influência japonesa em Joseon.
Ao se tornar um obstáculo ao expansionismo japonês, a Imperatriz Myeongseong se tornou um alvo e no dia 08 de outubro de 1985 e foi assassinada com uma espada no Palácio Gyeongbokgung. Depois de assassinarem a rainha com a espada, queimaram seu corpo com óleo.
As cartas de Kumaichi Horiguchi
As cartas de Kumaichi Horiguchi, cônsul japonês estacionado em Joseon em 1895 (e posteriormente enviado ao Brasil em 1899) foram adquiridas recentemente por Steve Hasegawa, especialista em selos de Nagoya em um mercado de antiguidades.
Esses documentos recém descobertos também foram analisados pelo historiador sul-coreano Kim Moon-ja e autor do livro Chosen Ohi Satsugai to Nihon-jin (O Assassinato da Rainha da Coreia e os Japoneses).

Veracidade das cartas
De acordo com os especialistas citados acima, as cartas parecem realmente ter sido escritas por Horiguchi.
A conclusão foi baseada em uma série de fatores, como o conteúdo em si, caligrafia, selos, envelopes e o local onde as cartas foram mantidas.
As correspondências de Kumaichi foram enviadas ao seu melhor amigo, Teisho Takeishi, especialista em clássicos chineses em sua cidade natal Nakadori, atual Nagaoka na prefeitura de Niigata.
A 5ª carta do diplomata Horiguchi
Foi datada de 7 de outubro de 1895, um dia antes do assassinato da Imperatriz Myeongseong. Nela, o diplomata conta que visitou Heungseon Daewongun, pai do Imperador Gojong e recebeu dele poemas chineses.
Em um dos trechos da carta, o diplomata escreveu ao amigo: “Visitei Heungseon Daewongun, trocamos muitos poemas e prosas nos últimos dias”. Segundo Horiguchi, os poemas eram confusos e incompreensíveis.

No entanto, afirmou que Daewongun era um grande herói da Coreia e alguém com quem se pode conversar, uma pessoa engraçada, refinada e um velho astuto de uma forma difícil de descrever.
Nessa correspondência, o diplomata deu a entender que um grande evento aconteceria e que haveria uma grande perturbação dentro de pouco tempo.
Contudo, o historiador Kim Moon-ja afirma que os poemas de Daewongun não são nada irrelevantes.
Controversas históricas
Cerca de 40 anos depois do Incidente Eulmi, o diplomata japonês Kumaichi divulgou três poemas que recebeu escritos pelo pai do Imperador Gojong (coreano), Daewongun, e afirmou que ele havia confessado sua intenção de realizar um golpe de estado em Joseon.
Porém, o historiador sul coreano Kim Moon-ja afirma que a declaração do diplomata é falsa.
“Os poemas chineses de Daewongun, conforme revelado pelas cartas, pintam um quadro totalmente diferente. Pessoas associadas ao assassinato, incluindo o diplomata Kumaichi Horiguchi, insistiram que o líder do assassinato era Daewongun. Essas cartas provam que essa história é uma ficção.”, afimou Kim.

A história que foi contata ao longo do século XX até a descoberta das cartas é de que Daewongun liderou um golpe de estado pró Japão enquanto os supostos reais assassinos tentaram salvar as pessoas mais importantes do palácio.
Nesse sentido, acredita-se que entre as atribuições de Horiguchi no assassinato da Imperatriz foi convencer Daewongun a ir até o palácio Imperial em Seul antes do ocorrido para dar legitimidade a história contata.
A 6ª carta de Horiguchi
Na sexta carta de 09 de outubro de 1895, dia seguinte do Incidente Eulmi, o diplomata Kumaichi revela ao amigo que ele participou do assassinato da Imperatriz Myeongseong com detalhes de como a operação aconteceu.
“(Entre os assassinos), meu papel era entrar… escalamos o muro… finalmente chegando a parte de trás dos aposentos reais, nós matamos a rainha. Ficamos surpresos porque (o assassinato) foi inesperadamente fácil.”, afirmou Kumaichi ao amigo. Trecho retirados das supostas cartas descobertas.
O historiado Kim Moon-ja acredita na autenticidade das cartas dada a escrita com pincel em estilo cursivo, a utilização de caracteres chineses, além dos caracteres japoneses hiragana e katakana.
”Os detalhes do assassinato e os relatos de sua família nas cartas me convenceram de que são cartas genuínas escritas por Horiguchi. Eu tive um sentimento de choque ao ler que o então diplomata em exercício esteve envolvido no assassinato da rainha do país para o qual foi enviado. Esses documentos são importantes e nos dão uma chave para desvendar os detalhes por trás do incidente que ainda é muito desconhecido.”, afirmou Kim Moon-ja.
Carta de Horiguchi a seu superior
Em uma carta enviada no dia 11 de outubro de 1985 ao então vice-ministro das Relações Exteriores do Império do Japão e futuro primeiro ministro entre os anos de 1916 a 1921, Hara Takashi, Kumaichi teve de explicar o ocorrido.
Porém, a carta ao vice-ministro não dizia sobre o que realmente aconteceu. Horiguchi apenas disse que testemunhou o assassinato da rainha e que tirou Daewongun de sua residência junto com outras pessoas.
Apesar do suposto complô formado pelo diplomata, oficiais do exército imperial do Japão e de civis, o então primeiro cônsul japonês na Coreia, Sadatsuchi Uchida, não foi informado do plano e acabou carregou o fardo do assassinato.
História incompleta
De acordo com Moon-ja, existem diversas memórias escritas por japoneses, que de alguma forma, estiveram envolvidos na morte da rainha Min, porém, o historiador sul-coreano afirma que há muita ficção entre os fatos.
Entre os fatos, acredita-se que a ideia era deixar o palácio antes do sol nascer, porém, os supostos assassinos foram obrigados a sair depois que o Sol nasceu porque Daewongun não tinha intenção de sair de sua casa para ir ao palácio.
Acredita-se também que os assassinos estavam divididos em dois grupos que não conseguiram se reunir na hora certa.
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Por causa dessa desorganização e do horário que eles saíram do palácio, eles foram vistos por muitas pessoas, o que evidenciou o envolvimento japonês.
“Os relatos das cartas recém descobertas de Horiguchi, embora precisem de mais estudos, são considerados mais confiáveis porque são cartas privadas enviadas ao melhor amigo em sua cidade natal, alguém em que ele confiava.”, disse Kim.
Fonte: The Asashi Shimbun
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