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Sustentabilidade no Japão: as boas práticas do período Edo

Autor de 7 livros sobre arquitetura, design e estética japonesa, Azby Brown pontua lições que a humanidade pode aprender sobre sustentabilidade no Japão feudal

As palavras ecologia, preservação ambiental e sustentabilidade ainda ressoarão por décadas a fio, já que a emergência climática paira sobre todos. Em meio a essa crise, a sustentabilidade no Japão antigo pode fornecer algumas respostas.

A afirmação é dada por Azby Brown em seu novo livro publicado em junho de 2022, Just Enough: Lessons from Japan for Sustainable Living, Architecture, and Design (“Basta: lições do Japão para uma vida sustentável, arquitetura e design”, sem tradução para o português).

Publicado pela editora Stone Bridge Press, o livro demonstra em suas 232 páginas como a humanidade pôde aprender lições valiosas sobre sustentabilidade no Japão feudal, em especial durante o período Edo baseado nos mais amplos segmentos da estética.

Natural de New Orleans, Luisiana, EUA, Azby Brown vive no Japão desde 1985 e é uma das principais autoridades sobre a arquitetura, design e ambientalismo japonês. Acompanhe o artigo e confira as observações de Brown sobre o que podemos fazer olhando para o passado.

Tokyo e Edo: a trajetória da maior cidade do mundo

Tokyo, como se sabe, é a maior cidade do mundo atualmente. Sua expansão culminou em uma região metropolitana (Tokyo, Kanagawa, Chiba e Saitama) que é o lar para aproximadamente 37 milhões de pessoas.

Edo por sua vez também foi a maior e mais populosa cidade do mundo em meados de 1721 com uma população estimada de um milhão de habitantes. E apesar de sua alta densidade demográfica, Brown afirma que Edo era muito melhor do que Tokyo em muitos aspectos.

Durante todo o período Edo, os recursos naturais e o meio ambiente das grandes cidades  serviam tanto ao transporte quanto ao fortalecimento da economia local
Durante todo o período Edo, os recursos naturais e o meio ambiente das grandes cidades serviam tanto ao transporte quanto ao fortalecimento da economia local

“Tokyo é uma área altamente urbanizada, o maior conglomerado urbano do mundo com mais de 37 milhões de pessoas. Isso, é claro, gera muitos problemas. Em primeiro lugar, tudo o que Tokyo precisa, desde energia, água e comida, vem de fora. Nesse sentido, Tokyo acabou criando uma pegada ambiental em sua dependência de coisas vinda das prefeituras vizinhas. Quando em 2011 houve o Grande Terremoto de Tohoku, por exemplo, Tokyo ficou vulnerável na distribuição de água e eletricidade”, afirma Azby Brown.

E como qualquer megacidade, Tokyo enfrenta os mesmos problemas como superprodução de lixo, poluição do ar, poluição sonora e trânsito, acabam afetando diretamente na saúde física e psicológica de sua população.

Repensando as vias hídricas

Para Brown, um dos piores pontos no processo de urbanização de Tokyo é o descaso com as vias fluviais da cidade. Isso vem ocorrendo desde a Restauração Meiji (1868 – 1912) com a pavimentação da cidade.

O autor comenta o fim do uso das vias fluviais como meio de transporte e de potencial econômico pelo setor pesqueiro. Isso gerou uma ruptura na relação da população com esses rios, não há simbiose e a preocupação em não poluir essas águas diminuiu drasticamente.

Sistema fluvial da cidade de Edo em meados da metade do século XVIII
Sistema fluvial da cidade de Edo em meados da metade do século XVIII

“Reestabelecer uma rede de transporte fluvial em oposição a poucos barcos turísticos é apenas um aspecto de um grande reset na forma de pensar o transporte urbano, que é necessário para agora. Idealmente, o uso de automóveis individuais devia ser suprimido em favor de transportes coletivos e bicicletas, além de áreas amigáveis para pedestres”, afirma.

E continua: “Felizmente, há um novo despertar nas cidades japonesas para o cuidado com suas redes fluviais para uma vida mais saudável. Considere a Nihonbashi em Tokyo. A ponte foi coberta com uma rodovia feita para os Jogos Olímpicos de 1964. Agora, estão refazendo aquele trecho com planos para abrir o canal e torná-lo utilizável, uma iniciativa semelhante a uma feita por Seul (bem sucedida) há cerca de uma década”, finalizou.

Cidade cinza e a necessidade da sustentabilidade no Japão

Brown lembra que, ao sobrevoar Tokyo, vê-se uma cidade quase completamente cinza para todos os lados. Mesmo em cidades como Nova York ou Londres há muito mais parques do que em Tokyo.

Azby acredita que os atuais modelos urbanos de países, como os escandinavos e a Alemanha são os mais adequados, hoje, para as demais cidades se espelharem e minimizarem o consumo exacerbado, e por consequência, reduzir o volume de lixo produzido a curto prazo.

Vista aérea de Tokyo. É muito difícil encontrar áreas verdes na cidade nessa perspectiva
Vista aérea de Tokyo. É muito difícil encontrar áreas verdes na cidade nessa perspectiva

Para tanto, o autor pontua a necessidade de a sociedade analisar melhor e debater o planejamento urbano de seus distritos. Contudo, uma das grandes virtudes de Tokyo em relação as megacidades, é a sua infraestrutura de seu departamento de transporte.

Se comparada com a década de 70, os níveis de poluição de Tokyo, seja da emissão de automóveis ou da indústria, caíram sistematicamente ano a ano. Isso aumenta e muito a qualidade de vida de seus habitantes em relação a outras grandes cidades.

Gerenciamento de lixo e resíduos nas águas

A questão do lixo, resíduos e descartes de sua logística no Japão é altamente complexa dado a densidade populacional, alto consumo da sociedade, espaço físico disponível para lidar com os dejetos e a geografia do país, um tema que certamente merece um artigo completo.

No que diz respeito a esse tipo de dejeto, o gerenciamento é realizado com maestria, boa parte é reciclada e outra parte é utilizada para a construção de ilhas artificias na baía de Tokyo, por exemplo.

Sistema de coleta de esgoto das grandes cidades fazem mau uso dos recursos da região ao poluir parte desses ativos naturais
Sistema de coleta de esgoto das grandes cidades fazem mau uso dos recursos da região ao poluir parte desses ativos naturais

Contudo, boa parte dos dejetos humanos são dispensados em rios e hidrovias da cidade. A poluição dos rios e afluentes obrigam a instalação de estações de tratamentos que utilizaram uma enorme quantidade de produtos químicos para torná-la potável novamente.

A comodidade em utilizar vasos sanitários modernos vem com um alto custo e que geram prejuízos econômicos, sociais e para a própria saúde das pessoas, cada vez mais alienadas da natureza e de seus limitados e essenciais recursos para a manutenção da vida.

Preservação da saúde pública

Brown diz que durante o período Edo, os dejetos humanos eram transformados em fertilizantes agrícolas e que havia preocupação em manter os rios limpos, uma vez que, serviam como meio de transporte e da economia pesqueira.

Isso é tão verdadeiro, que a primeira vez, que o Japão viu uma epidemia de cólera pela primeira vez, foi durante o século XIX em 1822 por viajantes que transitaram pela China através de Ryūkyū, e então para a ilha de Honshu.

Na imagem, homens carregam caixões lacrados que serão cremados. Contudo, são tantos mortos que não é possível cremar todos os corpos. Os três grandes surtos de cólera que o Japão viu aconteceram apenas no século XIX, ao fim do bakufu e no início da industrialização e desenvolvimento do país aos moldes ocidentais
Na imagem, homens carregam caixões lacrados que serão cremados. Contudo, são tantos mortos que não é possível cremar todos os corpos. Os três grandes surtos de cólera que o Japão viu aconteceram apenas no século XIX, ao fim do bakufu e no início da industrialização e desenvolvimento do país aos moldes ocidentais

Em 1858, além de tiros de canhões, ameaças e a imposição de tratados desfavoráveis ao Japão, o controverso Comodoro Matthew Perry da marinha dos EUA e sua tripulação também levaram um surto de cólera para a cidade de Edo com seus cerca de um milhão de habitantes.

A estimativa é que o surto tenha ceifado entre 100 a 300 mil pessoas. Durante a administração bakufu, dizia que era perfeitamente possível beber a água diretamente do rio, e caso não se sentisse confortável, o máximo que era feito era ferver a água.

Os dejetos humanos que eram recolhidos dos banheiros públicos regularmente possibilitaram o aumento da produção agrícola e evitou doenças associadas ao saneamento básico, como é o caso da própria cólera.

Lidando com o calor de forma sustentável

É improvável que os criadores da arquitetura, design e estética japoneses pudessem acreditar, que a chave para os desafios climáticos e ambientais do século XXI podem ser encontrados em práticas de sustentabilidade no Japão antigo.

A forma como cidades como Tokyo lidam com as ondas de calor cada vez mais fortes e frequentes, em vez de solucionar, agrava o problema. Especialmente durante o verão, o uso de ar condicionado exige uma demanda energética tão difícil de entregar quanto para o aquecimento no inverno.

A fazenda vertical criada pela Pasona Office Building, Tokyo, produz mais de 200 tipos de frutas, diversos vegetais e até mesmo arroz é produzido no local
A fazenda vertical criada pela Pasona Office Building, Tokyo, produz mais de 200 tipos de frutas, diversos vegetais e até mesmo arroz é produzido no local

Mas, diferente do inverno, sendo Tokyo uma cidade sem escapes naturais, prédios, ruas e avenidas absorvem todo o calor, fazendo dessa forma, a sensação térmica aumentar drasticamente, o que leva a milhares de mortes todos os anos.

Era comum em Edo utilizar cortinas verdes de trepadeiras, hortaliças como abóbora ou até mesmo grãos como o feijão. Brown acredita que mesmo sem utilizar energia elétrica, Edo era mais confortável em relação ao calor do que Tokyo.

Somente nos últimos anos, algumas instituições decidiram adotar essas técnicas para melhorar seus ambientes de trabalho, uma medida barata que poupa energia e melhora, mesmo que pelo instante em que se está próximo a essas cortinas, a qualidade de vida das pessoas (banhos de florestas fazem parte da estratégia de saúde do governo japonês).

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Para melhorar a qualidade de vida é preciso repensar a forma de consumir, e essa é a tarefa mais complicada de todo o processo: mudar hábitos. De natureza conservadora, o ser humano se apega a seu conforto independentemente das consequências.

É preciso pensar estratégias que induzam as pessoas a reflexão sobre o meio ambiente em que ela vive e como uma mudança de comportamento simples no dia a dia pode melhorar a qualidade de vida de todos.

Arquitetura e urbanismo do período e do pode ser uma das soluções para uma qualidade de vida melhor nas grandes metrópoles
Arquitetura e urbanismo do período edo pode ser uma das soluções para uma qualidade de vida melhor nas grandes metrópoles

Brown afirma que Edo era capaz de ser a maior cidade do mundo e sustentar uma população de um milhão de pessoas utilizando os recursos naturais como ativo. Para tanto, é preciso pensar no planejamento da cidade como se fosse um jardim.

 “Mais do que construir prédios monstruosos para pessoas ricas e destruir as belezas próprias dos bairros, devemos aprender com o período Edo a integrar os ecossistemas para melhorar a complexidade econômica e social. A chave para isso é entender como as habitações humanas e a natureza ao seu redor funcionem como um todo de forma interdependente.”, concluiu o autor.

Fonte: Nippon.com

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