As relações entre Japão e China se deterioraram nos últimos dias por causa de uma região disputada entre os dois países, as Ilhas Senkaku (Diaoyu). A província rebelde de Taiwan (autodenominada República da China) também reclama as Ilhas (Tiaoyutai para os taiwaneses).

Porém, o desgaste não envolve Taipé, apenas Tokyo e Beijing. A situação ficou ainda mais tensa após a prefeitura de Ishigaki, ilha pertencente a prefeitura de Okinawa solicitar ao governo central a instalação de placas nas Ilhas Senkaku sinalizando um novo distrito.
A região disputada é um conjunto de ilhas desabitadas, mas a notícia sobre a possibilidade do Japão criar um novo distrito – ainda sem nome – foi entendido por Beijing como um ato de provocações.
Localização complexa, disputa complexa
As Ilhas Senkaku (Diaoyu ou Taioyutai) estão localizadas em uma região complicada. Fica a 410km de Naha, Okinawa, 170 km de Ishigaki, 70km de Taipei e a 330km de Wenzhou, província de Zhejinag, China continental.

Sem considerar a história milenar desses dois países, as leis internacionais e as relações diplomáticas já são difíceis por si só. O principal é a problemática da ZEE (Zona Econômica Exclusiva).
De acordo com as leis internacionais, a Zona Econômica Exclusiva de um país se estende a uma distância de 200 milhas náuticas a partir da costa, isto é, 370km. Dentro desses espaços, todos os recursos naturais e ambientais são gerenciados pelo país com a prerrogativa dessa ZEE.

Observando o mapa acima, o conjunto de ilhas está mais próximo de Taipei, do que de Ishigaki e Wenzhou. Então, seria lógico entender que essas ilhas desabitadas deveriam fazer parte de Taiwan. Seria se Taiwan fosse um país, mas não é.
A problemática questão de Taiwan
Entre 1927 e 1949, a China passou por uma traumática guerra civil entre as forças nacionalistas (conhecidos como Kuomintang) liderados por Chiang Kai-Shek e os comunistas (Partido Comunista Chinês) liderados por Mao Zedong.
A única trégua entre essas duas forças aconteceu entre 1937 a 1945 quando ambos lutaram contra a invasão japonesa. Mas em 1949 quando o PCC derrota os nacionalistas, o Kuomintang se retirou da China continental para a província de Taiwan em dezembro de 1949.

Lá, Chiang Kai-Shek declarou Taipei como a capital provisória da República da China. Em 1950 houve uma tentativa de invasão da declarada República Popular da China mal sucedida por causa da guerra da Coreia (confronto em que, pela primeira vez, chineses e estadunidenses se enfrentaram).
Desde então, houveram conflitos de baixa intensidade, tanto por terra, quanto por mar. Por um lado, a Beijing (República Popular da China) vê Taiwan como uma província rebelde e Taipei (República da China) não declarou sua independência formalmente.
One China Policy
Embora Taiwan se esforce para que a comunidade internacional reconheça a ilha com um país independente e soberano, em 1992 foi desenvolvida a One China Policy. Aliás, esse foi o mesmo ano em que as regiões foram colonizadas pelas potências ocidentais, especialmente o Reino Unido após a Guerra do Ópio no período compreendido pelos chineses como ‘século da humilhação’ (1839 – 1949).

Essa cartilha é um acordo internacional. Qualquer país que queira ter relações diplomáticas e comerciais com a China deve cumprir e respeitar a One China Policy. Em outras palavras é preciso reconhecer que só existe uma China e que ela compreende as regiões do Tibet, Hong Kong, Macau, Xinjiang e Taiwan.
Histórico de Senkaku – Daioyu – Taioyutai
Historicamente, as ilhas disputadas por Beijing e Tokyo foram controladas pela China do século XV até o final do século XIX. Quando a China foi ocupada pelas potências ocidentais, o Japão incorporou as ilhas em 1895 unilateralmente por sua posição estratégica.
Quando a China foi governada pelos nacionalistas do Kuominatang, Chiang Kai-Shek se mostrou indiferente ao território, o que também foi sucedido pelo próprio Mao Zedong. O Japão só perdeu o controle do território durante a ocupação estadunidense (1945 – 1972).

Taipei reivindicou as ilhas em 1971, Beijing fez o mesmo após alguns meses e os EUA declararam apoio ao Japão na questão dessa disputa territorial.
O interesse chinês e taiwanês na região foi instigado pela descoberta da ESCAP (Comissão Econômica e Social para a Ásia e o Pacífico), um grande potencial energético de gás e petróleo na década de 60.
Comunidade internacional e as ilhas disputadas
Disputas territoriais normalmente fazem parte de interesses vitais aos países envolvidos e, em muitos casos, outros observadores, aliados e inimigos precisam ser cuidadosos ao abordar as questões na comunidade internacional para não colocar em risco seus próprios interesses.
No dia 23 de fevereiro de 2021, por exemplo, o porta-voz do Departamento de Defesa dos EUA, John F. Kirby pediu desculpas publicamente por uma declaração feita em off em uma conferência de imprensa.
Na ocasião, o The Japan Times revelou que o almirante disse: “Concordamos com a comunidade internacional a respeito das ilhas Senkaku e de sua soberania, e obviamente apoiamos o Japão nessa soberania”.
Mais tarde Kirby voltou atrás e disse: “Não há mudanças na política dos EUA em relação a soberania das ilhas (neutralidade). Eu me arrependo do meu erro. Os EUA se opõem a qualquer ação unilateral que pretenda mudar o status quo”.

Nem os EUA, maior aliado do Japão se envolvem na questão formalmente e tão pouco Beijing ou Tokyo tomam a drástica atitude de ocupar as ilhas, o que poderia significar um ato de guerra entre os dois países.
E agora?
Após o polêmico pedido da cidade de Ishigaki para instalar placas de sinalização nas ilhas, as tensões aumentam drasticamente a medida em que o chamado QSD (Diálogo Quadrilateral de Segurança), também conhecido como QUAD, discute sobre a China.
Os quatro membros do QSD (EUA, Índia, Japão e Austrália) estão na prática juntando esforços para conter o avanço da China na região do Indo-Pacífico, especialmente no Mar do Sul da China e no estreito de Taiwan, seja ele militar, político, comercial, econômico ou tecnológico.

Por outro lado, a China tem uma aliança potencial com a Rússia, país que também tem regiões disputadas com o Japão (Ilhas Curilhas), conta com a Coreia do Norte como uma zona tampão e Xi Jinping já afirmou/advertiu Tokyo e Washington que a China e o povo chinês não cederá uma polegada de seu território histórico.
Frequentemente a China envia navios de sua guarda costeira para a região, só em 2020 foram 333 incursões na região disputada.
No entanto, mesmo com a escalada de tensões, a situação deverá permanecer a mesma, o atual status quo é benéfico tanto a Tokyo, quanto a Beijing.
Ataques políticos e legislativos chinês
No dia 22 de janeiro de 2021, a China aprovou uma nova lei para sua guarda costeira causando preocupações aos países do QSD e outros da região do Indo-Pacífico.

Uma série de artigos da nova lei geram apreensão para uma região já tensa. Confira os principais:
- Artigo 22: permite o uso da força e o emprego de todos os meios necessários para impedir que estrangeiros infrinjam a soberania chinesa;
- Artigo 47: esse artigo permite que os navios da guarda costeira abordem outros navios que estejam envolvidos em atividades econômicas nas águas reivindicadas por Beijing;
- Artigo 48: permite que a guarda costeira use a força contra embarcações e instalações estrangeiras nas regiões reivindicadas por Beijing e que representem perigo a ZEE.
Desde que a lei foi promulgada por Beijing, diversas incursões aconteceram nas ilhas disputadas pela China e pelo Japão com respostas de Tokyo enviando também sua guarda costeira e a SDF.
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Contra-ataque político e legislativo japonês
No dia 16 de março de 2021, terça-feira, o Secretário de Defesa Lloyd Austin e o Secretário de Estado Antony Blinken dos EUA chegaram ao Japão para uma reunião com seus homólogos japoneses Nobuo Kishi (Ministro da Defesa) e Toshimitsu Motegi (Ministro das Relações Exteriores).

O encontro resultou em uma rara declaração conjunta entre Japão e EUA em relação a China, confira:
- A reunião de alto escalão entre os dois países teve apenas um assunto além do Artigo 5° do acordo bilateral de segurança entre os EUA e o Japão: a China como o maior desafio geopolítico a ser enfrentado no século XXI.
- Uma rara declaração conjunta foi dada pelos altos oficiais japoneses e estadunidenses sobre a questão chinesa e outras ameaças ao Japão e ao Indo-Pacífico, confira:
- Aliança EUA-Japão continua sendo a pedra angular da paz, segurança da região do Indo-Pacífico;
- Oposição a qualquer ação que mude o status quo das ilhas disputadas;
- Preocupação com a nova lei da guarda costeira chinesa;
- Apelo a paz e estabilidade no Estreito de Taiwan;
- Firmar posição nas reivindicações e atividades consideras ilegais da China no Mar da China;
- Desnuclearização da Coreia do Norte;
- Resolver a questão dos japoneses sequestrados pela Coreia do Norte;
- Apoiar os direitos humanos de Hong Kong e na região de Xinjiang;
- Manter a realocação da base aérea dos EUA de Futenma para a Okinawa;
- Cooperação em novos domínios como o espaço e o ciberespaço;
- Ampliar aliança Japão-EUA;
- Assegurar o compromisso inabalável com a defesa do Japão, incluindo nas regiões reivindicas pela China.
Vale ressaltar que o primeiro-ministro Yoshihide Suga foi vacinado e deverá viajar aos EUA dia 8 de abril para se reunir com o presidente estadunidense Joe Biden. Eles deverão discutir as questões do Indo-Pacífico e preocupações com o crescimento econômico e militar chinês, além da sua influência global.
EUA e China também deverão realizar um encontro no Alasca (ainda sem data), território considerado aceitável para a parte chinesa por ser o meio do caminho entre os dois países para debater as relações.
Fontes e dados: Kyodo News, Mainichi Shinbum, Sputnik News, The Diplomat, Standford Universty, The Strategist
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