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A pandemia de COVID-19 trouxe ao mundo muito mais do que os horrores da doença e da morte, trouxe também crises econômicas, sociais e humanitárias em todos os países.
No Japão, a violência doméstica e os abusos sexuais aumentaram drasticamente a medida em que as pessoas perderam seus empregos ou tiveram a jornada de trabalho reduzida.

Com as restrições impostas por medidas como o estado de emergência, muitas vítimas foram obrigadas a passar mais tempo em casa junto com seus agressores (bem como os potenciais agressores).
No entanto, a questão do abuso sexual e da violência doméstica por extensão é uma caixa de pandora o qual não é possível mensurar qual é o tamanho do problema, afinal, essas agressões cometidas por familiares costumam ser menos denunciadas do que quando cometidas por desconhecidos.
Dormindo com o inimigo
A Ninshin SOS Shinjuku é uma organização sem fins lucrativos criada em abril de 2016 para dar suporte e aconselhamento a jovens de até 20 anos que engravidaram de forma indesejada, em muitos casos por violência sexual.
Hatsumi Sato de 68 anos é diretora da Ninshin SOS Shinjuku e conta que jovens do ensino fundamental, ensino médio e universitárias ligam para a ONG aos prantos dizendo que sentem medo da noite.

Para essas jovens mulheres japonesas, o cair da noite significa que seu corpo será violado por um padrasto, pelo namorado de sua mãe, por seu irmão, seja ele mais velho ou mais novo ou outro parente, incluindo o pai.
Segundo a diretora, a organização recebia entre uma ou duas ligações por ano envolvendo esse tipo de violência praticada por parentes ou pessoas próximas, mas entre abril e junho de 2021 foram cinco ligações.
A dificuldade em denunciar
O grupo de apoio dirigido por Sato é apenas um de muitos outros grupos de apoio que também receberam pedidos de socorro de garotas adolescentes que foram abusadas sexualmente, principalmente durante o estado de emergência.

“Em casos de abuso sexual, as vítimas normalmente não sabem como reagir e sentem que não podem rejeitar seus agressores. Elas es culpam por não serem capazes de resistir e caem em um processo de auto aversão.” – Hatsumi Sato, diretora de Ninshin SOS Shinjuku
Nos cinco casos atendidos relatados acima, as cinco garotas foram estupradas e uma delas estava grávida. É muito difícil para a vítima denunciar seus agressores domésticos por diversos fatores que vão desde o medo e a vergonha até a ameaças.
Boa parte dos casos de violência sexual estão intimamente ligados a pobreza das famílias. Nesses casos, a mãe perde o controle e a capacidade de se impor e proteger sua filha dessa violência.
Pesquisas e levantamentos
É importante ter em mente que as denúncias de violência sexual cometida por uma pessoa da família raramente são feitas, principalmente quando a convivência com o agressor aumentou muito com as restrições da pandemia.

Contudo, uma série de estudos foram conduzidos no Japão durante a pandemia para mapear os casos de violência sexual e gravidez indesejada, entre eles, um realizado em junho de 2020 pela Bond Project.
Na ocasião, a organização enviou um questionário para cerca de 9.600 pessoas por meio de sua conta no app/rede social LINE. A Bond Project recebeu 950 respostas validadas.
O resultado demonstrou que 9% teve uma gravidez indesejada ou achava que teve durante o período. A maioria disse que manteve relações sexuais com namorado ou outra pessoa com quem mantém relação.

No entanto, 1% ou 11 garotos responderam que tiveram relações sexuais com pai, irmão mais velho, irmão mais novo ou outro parente próximo. Entre elas havia uma aluna do ensino básico, uma do ensino fundamental, três do ensino médio e três universitárias.
Aumento exponencial de casos de abuso sexual
Não obstante, em 2020 foram registrados 295 casos de abusos sexual de menores na polícia japonesa, um aumento de 11,7% em relação ao ano anterior, o aumento mais alto dos últimos cinco anos e a maior quantidade de denúncias da história.

Segundo o Ministério da Saúde, Trabalho e Bem-Estar, entre março e maio de 2020, houve um aumento de 35% em consultas de gravidez indesejada entre garotas de até 18 anos em relação ao ano anterior em seis diferentes organizações espalhadas pelo país.
Segundo o Ministério, o aumento se deu pelo impacto de reportagens publicadas pelos meios de comunicação, bem como o fechamento das enfermarias das escolas durante as restrições da pandemia.
Questão sistêmica
Para a obstetra e ginecologista Kyoko Tanebe, de 56 anos, e integrante do comitê de especialistas do governo para questões sobre a violência contra as mulheres, a pandemia apenas agravou um problema já existente.

“´Na maioria dos casos, o abuso sexual é mantido em segredo pelo perpetrador. A violência sexual já vinha ocorrendo por um longo tempo e poder ter progredido para o estupro devido as restrições. Com isso, as jovens estão preocupadas com uma possível gravidez e buscam algum tipo de aconselhamento.” – Kyoko Tanebe, obstetra e ginecologista.
Tanebe afirma que em muitos casos, o estupro ‘não pode ser contato aos pais ou responsáveis’. Muitas meninas temem que a reação de suas mães ao descobrir os abusos ou receio de que o pai seja preso e a família perca seu sustento.

Por isso, a especialista recomenda ao governo que as escolas mantenham suas enfermarias abertas mesmo que as atividades escolares estejam interrompidas. Não obstante, também recomenda que os funcionários sejam treinados para lidar com as vítimas.
“Se você fizer um curso sobre a resposta inicial ao abuso sexual, é possível aprender a respeitar os direitos da vítima bem como acolhe-la ao mesmo tempo em que pensa sobre qual deve ser a resposta ao agressor”, afirmou Kyoko.
O sistema favorece o agressor
O Japão tem uma cultura de educação sexual e uma legislação em seu Código Penal extremamente diferente para os padrões de países desenvolvidos.
Basicamente a educação sexual não existe nas escolas japonesas. Os alunos não são educados sobre relações sexuais, nem sobre métodos contraceptivos. No Brasil, por exemplo, muitos casos de abuso sexual só são descobertos por professores devido as aulas de educação sexual.

Não obstante, o Código Penal japonês estipula que a idade de consentimento para uma relação sexual é de 13 anos. Isso significa que se a criança for vítima de violência sexual de seu pai ou padrasto, ele responderá por crime de relação sexual em um menor sob custódia.
Porém, se a criança sofrer violência sexual por alguém que não seja um tutor, como um namorado de um familiar ou responsável, por exemplo, dificilmente ele será indiciado por crime de violência sexual.

Se o agressor é o pai biológico ou adotivo, ele pode ser indiciado por forçar a vítima a partir de uma posição de controle. Já outra pessoa que não seja o tutor legal, a relação sexual forçada não é aplicável caso a vítima não compreenda o que é o ato sexual e caso ele seja realizado “sem agressão ou ameaças”.
Kyoko Tanebe não esconde sua raiva ao afirmar: “Mesmo que jovens do ensino fundamental não tenham a oportunidade de aprender sobre o mecanismo da gravidez, eles são legalmente considerados capazes de consentir a uma relação sexual e o autor do crime não pode ser acusado de cometer um crime. Quem, exatamente, são as pessoas que as leis do Japão protegem?”.
Sofrimento psicológicos de jovens japonesas na pandemia
A pesquisa realizada em junho de 2020 pela Bond Project citada acima identificou que 90% das jovens entre 10 e 29 anos estão vivendo algum tipo de sofrimento físico ou psicológico.
O número assombroso é acompanhado por outro dado alarmante: 70% das entrevistadas pensaram em cometer suicídio em algum momento.

A alta percentagem vai de encontro com o aumento brutal de suicídio entre mulheres japonesas na pandemia de COVID-19.
Entre as principais causas do sofrimento experienciado por essas jovens está no sentimento de insegurança em suas casas e preocupações com os relacionamentos entre familiares e amigos.
Segundo a Bond Project, 96% disseram informaram que foram afetadas psicologicamente, 75% disseram estar mais preocupadas, 69% afirmaram querer desaparecer ou morrer, 61% sentiam-se solitárias, 52% disseram não conseguir dormir e 36% aumentaram a automutilação.
![Segundo resposta colhidas pela organização Bond Project, 70% das mulheres de 10 a 29 anos pensaram em cometer suicídio em algum momento durante [o início] da pandemia de COVID-19](https://i0.wp.com/japaoreal.com/wp-content/uploads/2021/08/depressao-ansiedade-suicidio-japao-pandemia.jpg?resize=765%2C510&ssl=1)
Em respostas livres, uma jovem alegou: “Comecei a me mutilar novamente por causa da preocupação de renda e do estresse em casa”. Outra entrevista afirmou: “Quando pensei na reabertura da [minha] escola, fiquei tão triste que quis cometer suicídio”.
Efeitos da pandemia
Para 61% das jovens que responderam à pesquisa da Bond Project, a mudança financeira em suas vidas é o maior fator de seus problemas psicológicos, 25% disseram que foi o fechamento dos locais onde costumavam frequentar.
A organização informou em relatório, que forneceu 1.572 consultas para jovens em março de 2020, mas em julho o número de consultas aumentou para 2.021. Outras organizações também relatam aumento de seus atendimentos durante a pandemia.

De acordo com Jun Tachibana, representante da organização: “Com o encerramento de locais quem as jovens sentem-se pertencentes como a escola ou locais de consultas e apoio foram reduzidas, isso as coloca em uma situação de maior dificuldade”.
Tachina continua: “Existem muitas jovens angustiadas em todo o país. Esperamos que o governo central e governos municipais melhorem suas redes apoio para atendê-las”.
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