Doraibu mai Ka – Drive My Car (Dirija meu carro) é um longa do gênero drama que acabou ganhando importantes premiações internacionais na categoria principal de melhor filme.
Saiu vencedora de Cannes em 2021 (melhor filme) e o Globo de Ouro 2022 na categoria melhor filme em língua não inglesa .
Nomeado ao Oscar 2022 em quatro categorias, melhor filme, melhor diretor, roteiro adaptado e melhor filme estrangeiro.
*Atualização: ganhou o Oscar na categoria melhor filme estrangeiro.
Foi lançado em agosto de 2021 no Japão e mundialmente em novembro de 2021.
Sinopse Drive My Car (Doraibu mai Ka) – Dirija meu Carro

O personagem Yusuke Kafuku (Hidetoshi Nishijima) é um ator e diretor de teatro com carreira sólida e sucedida no Japão. É casado com Oto (Reika Kirishima) e vivem juntos em um apartamento.
Sua esposa trabalha como roteirista de um canal de televisão e está sempre em novos projetos.
Possui prestígio em sua área e já ganhou prêmios. Eles têm uma relação aparentemente normal e estão na casa dos 40 anos de idade beirando os 50.
Após dois anos do falecimento de sua esposa, é convidado e aceita dirigir uma peça de teatro com representação da obra Tio Vania de Tchécov, que será encenada em Hiroshima.
Acostumado a sempre dirigir sozinho e treinar suas falas, nutre um zelo excessivo pelo seu carro Saab 900 vermelho, mas é obrigado por razões contratuais a aceitar alguém para levá-lo e trazê-lo dos ensaios. Então, é apresentado a jovem motorista Misaki Watari (Toko Miura) de 24 anos.
Duração Drive My Car
São 2 horas e 59 minutos de filme.
Classificação etária: 14 anos.
Em que o filme Drive My Car foi baseado?
O roteiro do filme é assinado por Ryusuke Hamaguchi, junto com Takamasa Oe.

Foi baseado em três contos do compilado Josei no Inai Otokodashi – Men Without Woman (Homem Sem Mulher) de Haruki Murakami, 2014, nas histórias Drive My Car, Sheherazade e Kino.
Ainda existe grande influência de Tio Vania de Tchécov, assim como acontece no conto escrito Drive My Car de Murakami.
Quem dirigiu o filme Drive My Car?

Foi dirigido pelo Ryusuke Hamaguchi, nascido em 16 de dezembro de 1978, é diretor, roteirista e produtor.
Crítica Drive My Car
O filme japonês Dorobu mai ka (Drive my car – dirija meu carro) possui diálogos longos e intensos, de espírito teatral e nos dão uma visão crua da vida e morte.

Muito além do final ‘’felizes para sempre’’, mostra a realidade do envelhecimento, os processos emocionais e psicológicos de uma vida não vivida em sua plenitude sob a sombra da traição, arrependimentos, ressentimentos, orgulho, culpa, do eterno retorno, da falta de atitude e de outras emoções e sentimentos complexos.
Apresenta uma atmosfera desoladora de não perspectiva da vida e consegue causar desconforto ao assistir.
Capta a atmosfera do luto com seus momentos Ma, em que nada acontece.
Preste atenção nestes momentos, o que eles causam em você?

Leva uma perspectiva de velhice triste, além de mostrar as complexidades das relações humanas em seu extremo quando sentimentos ambíguos podem corroer a sanidade mental.
Não à toa, a peça adaptada de Tio Vania de Tchécov faz parte do enredo principal refletindo na alma dos personagens do filme japonês, assim como os três contos Men Without Woman de Haruki Murakami dão o tom dos personagens e situações mesclando elementos diferentes amarrados de uma forma perpiscaz.

Não é um blockbuster do tipo entretenimento, mas um excelente filme da sétima arte com diálogos trabalhados, atuações que valem a pena ver e um enredo intrigante.
O ritmo flui bem para uma película com mais de duas horas (quase três), mas é preciso ter paciência e se deixar envolver.
Destaque para a atuação da atriz Toko Miura que interpreta a motorista Misaki Watari.
A personagem do filme possui suas semelhanças com as descrições físicas e emocionais da descrita no conto de Murakami.

Uma mulher de 24 anos de rosto plano, nem atraente ou feia, com um jeito seco, só responde o que lhe é perguntado e nunca expressa suas emoções. Uma pessoa difícil de ler e que passa despercebida.
No Tio Vania sua equivalência física seria a da personagem Sonia, que também é descrita com rosto plano, mas considerada feia e isso acaba sendo um empecilho para viver em sua totalidade, aprofundada na nulidade e quase não existência, já que não é notada por quem nutre afeto. Se sente invisível.
Aliás, no filme Drive My Car a atriz escolhida (sul coreana Park Yoo-Rim) para interpretar Sonia na peça do filme consegue representá-la com maestria sem nunca ouvirmos sua voz, já que é muda.
O fato de não falar, a faz entender Sonia muito bem, já que vive um sentimento constante de não ser ouvida ou notada, o que fica evidente no ótimo diálogo da cena de jantar.
O talento da atriz também fica notável quando ela vai fazer a audição teste para a personagem Sonia em uma das cenas memoráveis de Tio Vania, quando a sobrinha pede de forma firme, amorosa, desesperada e com medo, o frasco de morfina que seu tio rouba do Dr. Mikhail quando Vania estava decidido a acabar com sua vida.

O ator Hidetoshi Nishijima que interpreta Kafuku o faz bem e carrega uma atmosfera pesada em torno de seus olhares e da excessiva contenção emocional, que faz parte de seu personagem representando seu vazio interior, enquanto sofre por suprimir sentimentos de culpa, orgulho, ira contida e vaidade.

Atenção especial a um dos clímax do filme na cena de diálogo dentro do carro Saab 900 vermelho em que tem uma conversa franca e reveladora, mas subjetiva com o jovem ator Koji Takatsuki.
Prepare-se para ver a realidade niilista de uma vida vazia, quando as pessoas lutam para lidar com sentimentos complexos, de relações humanas complicadas e sem saber o que virá pela frente (desolação).

Já, a personagem Oto está presente a todo momento no filme, mesmo após falecer.
Seja nas fitas cassetes que Kafuku gosta de ouvir, seja permeando o relacionamento interesseiro de Koji e Kafuku.
No entanto, mesmo sem existir mais, sua presença constante mostra bem o que acontece na vida das pessoas depois que uma pessoa próxima morre.
Como se o tempo fosse paralisado e tudo aquilo que não foi dito acabasse por remoer o que resta dos sentimentos fragmentados pela dor da perda, pois fica uma lacuna que nunca poderá ser substituída ou remoldada.
Não espere ver aquele tipo de filme que te faz chorar, mas um que faça refletir depois.
Drive My Car e a relação com a peça Tio Vania
Abaixo, confira mais informações do filme Drive My Car que serão úteis para uma melhor compreensão dos personagens, se você já assistiu a película.
Então, atenção, abaixo tem algumas informações de elementos no filme, mas sem entregar exatamente os fatos para não estragar a experiência.
Aconselhamos que assista alguma adaptação ou leia a peça Tio Vania de Anton Tchécov.
Fazer isso aumentará o entendimento do enredo de Drive My Car. Assim como se tiver oportunidade, ler os três contos de Murakani que fazem parte de Men Without Women.
Os personagens partilham um vazio na alma e são perseguidos por sentimentos e emoções que beiram a apatia ao desespero, vindos de seus infernos interiores.
Kafuku e Tio Vania
O personagem principal Yusuke Kafuku é um homem maduro de 47 anos de idade, assim como o tio Vania.
Os dois vivem suas vidas de maneira metódica e sem questionamentos profundos, mas em outros pontos são totalmente diferentes, já que Kafuku é bem-sucedido e não parece ter problemas financeiros.
Vania tem um sentimento de revolta e ira dentro de si que é extrapolado para fora, além de tomar consciência de que sua vida é miserável.
Já Kafuku é do tipo controlado e simula seus sentimentos, como se sua vida fosse uma encenação constante. Afinal, é um ótimo ator.
Kafuku não libera suas emoções e sentimentos
Mesmo sabendo das traições de sua esposa, mantém suas emoções contidas e não demonstra qualquer sinal de que sofre.
Após ficar viúvo, seu luto não é processado de forma completa e continua abafando seus sentimentos. Isso o deixa apático e de coração vazio.
Está em um ponto da vida em que não quer (ou não consegue) mais desenvolver qualquer relacionamento ou ter afeto por alguém, assim como o personagem Dr. Mikhail de Tio Vania, porém sem todo o sarcasmo, mas com a mesma crueza.
Kafuku é seco, não abre mão de sua rotina e se mostra controlador. Fica desconfortável quando as coisas não saem à sua maneira.
Ao longo da película podemos entender os motivos dele ter se tornado desta forma ou ao menos supor.
Vivia uma ilusão perfeita
Sua esposa e ele viveram por 20 anos juntos em uma parceria de amor, trabalho e convivência perfeitos sob seu ponto de vista. Mas, eles tiveram uma filha que morreu aos 4 anos de pneumonia e isso mudou tudo.
O luto e a vida vazia
A atmosfera do luto está presente no filme todo como um fantasma que assola a vida perfeita que Kafuku lutou até o fim para preservar.
Uma vida levada para frente por comodidade e apego, assim como por um amor verdadeiro e profundo, mas severamente machucado e humilhado, mas ainda assim com vaidade e orgulho.

Por causa do luto, sua esposa Oto perde o sentido da vida e sua existência fica vazia.
Através do sexo com seu marido consegue ter um resgate do que aquilo um dia representou sua energia vital, mas direcionado como uma forma de lidar com as emoções e sentimentos não trabalhados de forma inconsciente.
Após um orgasmo, começa a contar histórias que surgem de maneira espontânea, quase em transe.
Seu marido ouve a história e no dia seguinte narra para sua esposa escrever.
Até que um de seus contos é premiado e começa a trabalhar como roteirista em uma emissora de televisão.
A partir destes pontos chaves, o enredo é desenrolado e somos transportados para o universo do teatro, enquanto todas as questões profundas são desenvolvidas através da construção do relacionamento silencioso, mas confortante e compreensivo de Misaki e Kafuku.
Assim como a peça Tio Vania, o filme tem quatro grandes atos. Primeiro, na longa abertura.
Depois, quando a vida de Kafuku vira de cabeça para baixo.
O terceiro grande ato acontece quando ele conversa com Koji em seu carro.

A última para fechar é o mix da cena do quarto ato da peça Tio Vania encenada no filme e quando Kafuku e Misaki vão para sua cidade natal quando descobrimos o que aconteceu na vida de Misaki e o que Kafuku estava guardando dentro de si esse tempo todo.
Influência dos contos de Men Without Woman
Haruki Murakani é um prestigiado escritor japonês que possui um poder de contar histórias de forma envolvente.
Três contos do livro Men Without Woman (Homem Sem Mulher) foram usados de inspiração para o filme Drive My Car.
Deixarei apenas um resumo abaixo sem análises para quem ficar curioso/a em ler.
Ao todo, o livro mostra sete contos de homens de meia idade que sentem um vazio em suas vidas por conta de relacionamentos problemáticos com mulheres.
Drive My Car
Um ator de teatro de 47 anos de idade chamado Kafuku é viúvo há dez anos e se mantém solitário.
Cuida com todo o cuidado de seu carro Saab 900 de cor amarelo e está acostumado a dirigir sozinho enquanto estuda suas falas ouvindo fitas cassetes.
Por causa de um glaucoma e ter perdido sua licença, é obrigado a contratar uma jovem motorista chamada Misaki.
Passa a esmiuçar os segredos deixados pela sua esposa. O personagem do jovem ator Koji Takatsuki também aparece, como um ex colega de elenco de sua falecida esposa que era atriz.
Sheherazade
Um homem de meia idade vive solitário em seu apartamento e depende da visita de uma mulher casada de meia idade que faz suas compras.
Eles se envolvem de forma sexual e ela passa a contar intrigantes histórias após o orgasmo. Passa a chamá-la de Sheherazade, pois não sabe seu nome verdadeiro.
Kino
Kino é um homem de meia idade casado que trabalha como representante de materiais esportivos.
Por causa disso, viaja sempre pelo Japão. Um dia, volta para casa antes do previsto e acaba tendo uma reviravolta em sua vida aparentemente estável e feliz.
Tio Vania do Tchécov
A peça Tio Vania escrita por Anton Tchécov é considerado um clássico e uma obra-prima.
Somos apresentados a uma estória que faz uma profunda crítica voltada a vida de campo de quem morava na Rússia e a burocrática provinciana, ambas com suas existências niilista e baseadas no vazio completo.
Tio Vania (Ivan) é um personagem de 47 anos de idade que o envelhecimento despertou sentimentos de arrependimento e de não conformidade com os rumos que a vida seguiu.
A morte está perto e isso causa uma ira muito grande que se manifesta em revolta e desespero. É irmão da primeira esposa do professor Aleksander.
Lembrando que naquela época a estimativa máxima de vida era por volta dos 60 anos de idade.
Sua sobrinha Sonia é uma jovem que não nasceu com atributos físicos considerados belos.
Nutre um amor pelo Dr. Mikhail que visita sua casa para tratar da gota e reumatismo de seu pai, um professor aposentado respeitadíssimo no meio acadêmico.
Após ficar viúvo, Aleksander se casa com uma jovem de 27 anos de idade chamada Ielena, que possui uma beleza extraordinária.
O Dr. Mikhail é um homem de 35 anos que ama a natureza e mais nada, acaba mexendo ainda mais com a rotina da família atormentada pela chegada de Aleksander e Ielena na fazenda.
O elenco ainda tem a babá Marina, a mãe de Tio Vania Maria, um criado sem nome e um fazendeiro falido que frequenta a casa da família chamado Ilia.
Abaixo, uma adaptação em formato de filme para televisão de Tio Vania com legendas em português.
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O que é o luto?

O luto é um processo individual em que envolve uma série de fases que tem como objetivo transformar sentimentos e emoções que surgem quando ocorre uma perda, seja causada pela morte ou separação.
Cada um tem uma forma de lidar ou não lidar com essas dores emocionais muitas vezes regadas a arrependimento, culpa, ira, aceitação e uma tristeza profunda que pode acompanhar a vida, se não resolvida.
O luto pode estar presente no decorrer todo da vida causando atitudes autodestrutivas e autodepreciativas.
O que é uma lampreia?

É quase impossível ler o conto Sheherazade de Murakani ou ver o filme Drive My Car e não ficar curioso/a nas lampreias.
É uma espécie de peixe parasita que vive no fundo de grandes lagos. Ela não tem mandíbula, mas uma boca sugadora eficiente.
Elas se prendem em pedras com cobertura de plantas para se camuflarem. Passam a vida se deixando levar pelo fluxo da água e dançando com as plantas e musgos.
Então, quando uma truta passa por cima, se joga até grudar em uma parte de seu corpo. A lampreia possui uma boca interna com um serrote que vai e vem.
Depois que se prende na truta começa a fazer pequenos buraquinhos comendo o peixe vivo, lentamente e constantemente.
Carro Saab 900

Os amantes de carros não deixam de notar o modelo Saab 900 turbo vermelho que aparece em Drive My Car.
O carro esportivo sueco é um modelo com motor macio, rápido e o aumento de potência pode ser feito de forma suave e progressiva.
A tração dianteira permite uma estabilidade maior, o que dá uma viagem ótima.

No filme Drive My Car, Kafuku tem um Saab 900 vermelho que contrasta com a paisagem de Hokkaido e dá belas fotografias, por isso foi escolhido para a película.

No conto Drive My Car, Murakami descreve um Saab 900 amarelo conversível, cor escolhida pela esposa de Kafuku.
*Informação atualizada em 30/03/22.
Adorei esse filme, muito profundo, e adorei a resenha, grata!